Análises

Child of Light

A palavra JRPG tem uma definição estranha. Se à primeira leitura a generalidade dos jogadores tende a associar a mesma a um estilo de jogo, esta é também a definição simples de um rpg feito no Japão. Jogos como Dark Souls, Dragons Dogma ou Xenoblade são claramente RPG’s feitos no Japão, ainda assim existe dificuldade, devido ao seus sistemas de combate mais virado para ações em tempo real, em classificar alguns destes jogos como tal. Mesmo a série Final Fantasy, nomeadamente na série 13 se afasta do típico combate por turnos, mas aqui já parecem não existir dificuldades no tipo de classificação.

No meio desta discussão algo irrelevante surge Child of Light. Este jogo do diretor criativo de Far Cry 3, Patrick Plourde, é de certa maneira uma homenagem ao tempos mais áureos de RPG’s da geração de 16 bit. Uma mistura de Final Fantasy, Limbo, Grandia, 2D e o genial motor de jogo UbiArt, que corre as mais recentes aventuras de Rayman.

Child of Light review 1Child of Light conta-nos a história de Aurora. No século XIX, na Áustria, o duque governante vive alegremente com a sua família, até uma tragédia assolar a sua vida. Sozinho e com uma pequena filha para criar, as coisas não se revelam fáceis para o soberano. Eis que Umbra aparece na sua vida, e tomando as coisas o seu rumo natural, esta torna-se a nova duquesa, formando uma nova família. Tudo parece voltar ao rumo natural das coisas, até numa inesperada manhã Aurora não acordar do seu sono, e para todos os efeitos é dada como morta. É neste preciso momento que começa a nossa aventura, com a pequena princesa a acordar num outro lugar, Lemuria. Numa floresta escura e fria está completamente sozinha e só quer voltar para casa, para o seu progenitor.

Ao longo da nossa aventura para recuperar o sol a lua e as estrelas, vemos a petiz a descobrir o seu lugar no mundo sendo confrontada com situações inesperadas, e com amigos e criaturas estranhas. Uma dessas criaturas é Igniculus, que toma a forma de uma pequena chama azul, cujo controlo pode ser feito por um outro jogador, podendo o jogo ser jogado em co-op local se preferirem, sendo que o podem fazer sozinhos usando o analógico direito. Igniculus apenas pode realizar determinadas ações dentro e fora de combate, revelando-se bastante versátil no que toca a descobrir tesouros, uma vez que ilumina o ambiente à sua volta.

Toda a história e diálogos do jogo são ditos/contados em rima. Apesar de ser uma abordagem bastante ambiciosa o jogo acaba por falhar muitos dos seus diálogos. Não são poucas as vezes onde determinadas frases se tornam demasiado forçadas apenas porque há que fazê-las rimar. Linhas de texto confusas ou frases sem muito sentido acabam por manchar um pouco o pacote geral. Ainda assim, nos momentos importantes da história o jogo tenta ser o mais simples possível, ainda que com a mesma regra. Só existe uma voz durante todo o jogo, o narrador, que em certos pontos nos revela detalhes importantes.

Child of Light review 2A jogabilidade de Child of Light mistura uma série de géneros. Divagações sobre JRPG à parte, temos combate, exploração, alguns puzzles, quests secundárias, tudo isto num plano 2D, trazido à vida com um aspeto excelente.
É muito fácil atribuir determinados rótulos ao jogo devido às suas inspirações maioritariamente orientais no que ao sistema de combate diz respeito. Uma mistura de combate por turnos com tempo real resultam num dos pontos mais fortes do jogo. Tal como Final Fantasy à alguns anos, todo o ritmo das nossas ações é determinado por uma pequena barra horizontal de tempo na parte inferior do ecrã (como mostra a imagem acima). Esta barra indica o nosso tempo de espera até ao próximo ataque assim como o tempo que levam as nossas ações a ter efeito. Cada personagem percorre a barra de espera em tempos diferentes e uma vez chegados à parte de cast temos oportunidade de realizar uma série de coisas, de acordo com o personagem que estivermos a utilizar, sendo que ataques mais fortes demoram mais tempo a realizar. Fazer um ataque físico, um ataque mágico, trocar de membro da party, consumir uma poção, defender, enfim o que esperaríamos de um rpg por turnos. O nosso companheiro de viagem Igniculus também participa nos combates, embora num papel mais reduzido, não deixando de ser importante, pois este pode retardar a velocidade com que os inimigos chegam à sua vez de atacar, bem como curar uma pequena parte da vida dos outros membros.
Numa escala mais pequena temos alguns puzzles, que são esporádicos, mas que conseguem proporcionar uma pequena mudança de rumo na aventura relativamente linear.

Grande parte de estratégia envolvida no bom desempenho durante o combate tem a ver com a possibilidade de podermos interromper os nossos inimigos. Se fizermos uma ação e esta for mais rápida que as dos monstros, e estes estiverem na sua fase de cast, o ataque dos mesmos é interrompido e estes são atirados para a parte de espera da barra de tempo. Como diferentes ataques têm diferentes tempos de realização, é necessário jogar por antecipação, prevendo que tipo de ataque fará o nosso inimigo, para que possamos realizar, por exemplo, um ataque que demora muito tempo a sair, mas muito poderoso, ou então um ataque que faça pouco dano, mas que consiga bloquear a ação o inimigo. O que ao primeiro parece pouco útil, a habilidade de defender, torna-se em muitos casos, necessário e uma boa estratégia, pois se não formos a tempo de interromper determinado ataque, porque a nossa ação demora muito, não à outra maneira se não tentar levar o menos dano possível, fazendo com que na maioria das vezes o nosso tempo de espera na barra de tempo diminua até à próximo ato, uma vez que a defesa por norma diminui este processo.
Não existem combates aleatórios, como tal grande parte dos confrontos com inimigos pode ser evitado, ainda assim é recomendado que se façam alguns nas várias zonas, para apanhar alguns tesouros, e como é óbvio subir de nível.

Durante todo o desenrolar de uma batalha apenas temos disponíveis dois membros da nossa party para utilizar, sendo que o terceiro é o Igniculus, mencionado acima. Parece pouco, mas a possibilidade de trocar um membro na própria batalha, por um outro anula esta limitação. Uma vez chegados à nossa barra de cast podemos simplesmente trocar, sem qualquer penalização, para outro membro, o que se revela crucial nas batalhas a partir do meio do jogo. Apesar da subida de dificuldade, num certo ponto, o jogo é relativamente fácil, mesmo na dificuldade mais elevada, que é hard. Esta incentiva muito mais a troca de membros da party durante o combate, uma vez que os inimigos fazem mais dano e avançam mais rápido na barra de tempo, como tal será a dificuldade a usar, se quiserem um maior tipo de variedade de uso da vossa party.

Child of Light review 3Tal como qualquer RPG que se preze temos novas habilidades para desbloquear à medida que subimos de nível. Os membros da nossa party que encontramos ao longo da nossa aventura têm uma leque bastante diferenciado, complementando-se relativamente bem. As habilidades que vamos desbloqueando ao longo do jogo é que não se diferenciam nos personagens, ou seja, as que temos de início são as mesmas que teremos num personagem de nível máximo, pois as que vamos abrindo na árvore de cada um, são apenas versões melhoras daquelas com as quais iniciamos.

Para nos ajudar a melhorar determinados aspetos durante o combate temos disponível um sistema de craft de gemas, aqui chamado de Oculi. A melhor comparação que podemos fazer é pensar nas materia de FF7. Tal como neste clássico, podemos introduzir determinados Oculi na nossa arma, armadura ou no que seriam os acessórios, para que possamos beneficiar de mais ataque, defesa, ou percentagem de esquiva, portanto 3 ao mesmo tempo. À medida que se combinam os Oculi, versões mais fortes dos mesmos se vão desbloqueando, e podemos inclusivé misturar gemas de vários tipos, incentivando à experimentação.

Infelizmente, e revelando-se um dos pontos menos fortes do jogo, é o equipamento. Simples e direto: não há. Sim, as armas e armadura com os quais iniciam o jogo são as mesmas que terão no final, uma vez que não existe armamento no jogo. Num título deste género é uma omissão grave, pois a sensação de evolução dos personagens não existe, tornando o apelo do combate e exploração por tesouros baixo. Apesar das várias combinações que é possível fazer com os diferentes oculi para determinados boosts, estes não substituem o elemento de evolução quer dos personagens ou simplesmente visual que normalmente é proporcionado com armamento tradicional.

Child of Light review 4Uma tela que ganha vida. Não há outra maneira de caracterizar o aspeto visual do jogo. Já tínhamos uma amostra do que o fantástico motor de jogo UbiArt é capaz de fazer com os mais recentes Rayman, mas ver isso aplicado em algo completamente diferente é arrebatador. Desde o cabelo de Aurora a ondular, a todos os cenários animados, nas camadas que compõem a imagem, todas as animações exemplares e naturais dos personagens, a imagem e arte são um deleite para os olhos com toda a beleza que jogo tem. Ruínas, oceanos, cidades a brotar de vida, gigantes, porcos voadores, enfim a lista é grande e prova que para além do aspeto, a imaginação dos criadores ganhou outra vida, e sabe muito bem ver cenários que lembram, por exemplo, a magnífica toxic jungle do clássico Nausicaa, de Hayao Miyazaki.
Se há algo a apontar é que por vezes temos alguma dificuldade em reconhecer onde acabam e terminam algumas camadas no cenário, não conseguindo perceber sem uma inspeção mais cuidada que temos caminhos diferentes.

Outro grande aspeto do jogo é a sua banda sonora. Béatrice Martin, mais conhecida como Cœur de Pirate, compôs as faixas que fazem parte do jogo. O tema principal do jogo fica de imediato no ouvido com as notas de piano e sequencias orquestrais, e apesar de achar que já se estava a repetir um pouco na parte inicial do jogo, as coisas mudam bem de figura, quando se começa a visitar outras cidades ou localizações, tornando-a, ao lado do aspeto visual, umas das melhores coisas que jogo tem.

Uma vez terminada a nossa aventura, que demorou cerca de 14 horas para mim, podemos continuar a jogar, para apanhar os restantes tesouros ou acabar as quests secundárias que faltam. Feito isso podemos avançar para NG+ para podermos continuar a evoluir os nossos personagens, carregando tudo o que apanhámos no primeira vez.
Child of Light não seria um jogo que esperaria ver da Ubisoft, mas ainda bem que existe. Numa indústria carregada pela obsessão pelos gráficos mais realistas possíveis é com grande agrado que se vêm coisas como estas. Uma homenagem ao passado, com mais ou menos JRPG lá incluído, um conto de fadas.
Se o combate é dos mais clássicos que pode haver, também é do mais contemporâneo a vontade que há de jogar algo que nos recorda de onde viemos e que apesar de todos estes anos continua vivo e de boa saúde se bem que sem o fulgor de outros tempos. As poucas falhas que o jogo apresenta não são razão para deixar de recomendar este jogo, e se ficarem pelo aspeto técnico, pelo combate ou porque tiveram um ataque de nostalgia, ficaram com certeza bem servidos.

Veredito

Nota Final - 7.5

7.5

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