Análises

Gears Of War: Judgment

A saga Gears Of War marcou uma geração. Não só de consolas mas também de jogadores. Redefiniu o cover shooter. Criou um modo de jogo como o Horde que acabou por se tornar standard na maioria dos jogos com componente online. Trouxe para as luzes da ribalta o online competitivo em jogos na terceira pessoa e, acima de tudo, apostou seriamente na vertente cooperativa, fazendo com que milhares de jogadores partilhassem aventuras demasiado épicas para se limitarem às paredes das suas salas e quartos.

Mas será que Gears of War depois de redefinir um género, se consegue redefinir a si próprio? Agora nas mãos da People Can Fly, os mesmos de Painkiller e do tresloucado Bulletstorm, Gears of War parece querer começar de novo. Não só por ser uma prequela, mas também pela forma mais leve (à falta de melhor expressão) como aborda todo o universo, ambiência e jogabilidade a que anteriores Gears Of War nos tinham habituado.

Damon Baird e Augustus Cole podem não ter sido protagonistas nos três anteriores GOW, mas tornaram-se sem dúvida alguma dois dos COG’s favoritos dos jogadores. Talvez por isso os vejamos aqui a assumir as luzes da ribalta encabeçando a Kilo Squad, ficando esta completa com a adição de duas novas personagens, Sofia Hendrik e Garron Paduk.

Algemados e entregues às decisões do Tribunal Militar liderado pelo Coronel Ezra Loomis, cada um dos elementos da Kilo Squad dá o seu testemunho sobre os acontecimentos.
Com a história a começar pelo fim, não deixa de ser curiosa a forma como Judgement, mesmo recorrendo a uma das mais estafadas técnicas narrativas como o flashback, consegue evitar a linearidade.

A contribuir para isso estão sem dúvida as Declassified Missions, que funcionam como um acrescento (opcional) à narrativa, enriquecendo-a com mais pormenores dos acontecimentos e acima de tudo, elevando a dificuldade e o desafio que Judgment nos pode proporcionar. Desde sermos atacados no meio de uma densa nuvem de poeira onde a visibilidade é praticamente nula a estarmos limitados a um tipo de arma ou termos os Locusts a utilizarem formas mais “criativas” de nos atacarem, tudo contribui para uma maior imersão do jogador. Bom, talvez imersão seja uma palavra demasiado forte. Especialmente porque Judgement faz de tudo um para tornar a campanha principal o mais semelhante possível ao que a maioria dos online shooters se tornaram.

Gears Of War Judgment review screenshot 1Há recompensas por tudo e mais alguma coisa. Skins para armas, skins para personagens, prizeboxes desbloqueáveis através da aquisição de XP, micro-transacções online. Até a própria campanha extra Aftermath é desbloqueada com recurso a estrelas acumuláveis através headshots, gibs, executions, etc. Vocês percebem a ideia.

É certo que que tanto o segundo como o terceiro capítulos da saga não tinham qualquer problema em recompensar o jogador baseando-se no seu estilo de jogo, mas Judgment tem toda uma nova abordagem na forma como gere a relação com o jogador. Muitos poderão não achar interessante por aí além como tudo parece convergir para a componente online, mas ao mesmo tempo não deixa de ser divertido sermos constantemente desafiados. Especialmente porque Judgment não se perde em capítulos longos nem em grandes set pieces. O próprio esquema de controlo sofreu algumas alterações. muito provavelmente numa tentativa de agilizar as acções dos jogadores.

As frags deixaram de ser seleccionadas através do d-pad antes de serem atiradas e passaram a ser lançadas directamente pelo LB, podemos usar duas armas “principais” selecionáveis através do botão Y e até os nossos heróis se movem mais rapidamente, os próprios inimigos estão agora dependentes do sistema de spawning denominado de S3 (smart spawn system), uma espécie de AI Director ao estilo de Left 4 Dead, que adapta número e agressividade dos dos mesmos ao estilo de cada jogador.

Mas ao mesmo tempo que tudo se conjuga para um imediatismo que não conhecíamos da saga, tornando a jogabilidade mais frenética, parece que pelo caminho se perdeu o factor surpresa dos confrontos gigantescos a que Gears nos tinha habituado. A substitui-los temos algo que poderíamos apelidar de “momentos Horde”, já que nos limitamos a combater vagas após vagas de inimigos. Tudo isto acaba por deixar algum amargo de boca. Especialmente porque Judgment é provavelmente o mais belo jogo da saga conseguindo fugir à habitual claustrofobia típica da saga mas nunca desrespeitando o ambiente soturno que a caracteriza. A forma como a luz reflete na arquitetura de Sera, a palette de cores mais variada a fugir ao ambiente monocromático dos capítulos anteriores, os efeitos de fumo e fogo, juntamente com as animações tanto da Kilo Squad como dos inimigos fazem com que Judgment seja um deleite para os sentidos. Talvez por isso, no fim da campanha acabemos por sentir um certo vazio, já que não existe nenhum momento realmente memorável para além da extremamente satisfatória e aperfeiçoada jogabilidade.

Bastante competente é a componente sonora. A música é servida na medida e nos momentos certos, dando a grandeza necessária aos confrontos e o voice acting tem a qualidade a que nos habituamos nos anteriores Gears. Todas aquelas nuances, sarcasmo e aspereza na voz são conseguidos na perfeição.

Como extra temos a campanha Aftermath. Desbloqueável após a obtenção de um determinado número de estrelas (40, algo que se consegue mais ou menos a meio da campanha principal). Esta campanha ata as pontas soltas dos eventos que se sucederam durante Gears 3, mais concretamente o momento em que Baird e Cole se ausentam numa missão diferente. É uma adição interessante, mas parece não ser aqui o lugar dela.

A verdadeira contradição de Gears of War: Judgment reside na sua abordagem do multiplayer. Parece estranho afirmar isto depois de ao longo de diversos parágrafos falarmos da forma como tudo parece convergir para o online. Na realidade aquilo que Judgment nos oferece é, em partes iguais, tão divertido e viciante como limitado.

Apesar de termos quatro novos modos de jogo: OverRun, onde numa batalha COG vs. Locust, cada jogador pode escolher uma classe diferente tendo como missão defender diversos pontos do mapa. Domination, um modo que partilha não só o nome com o modo da série Call of Duty mas também a mecânica de jogo: duas equipas, três pontos do mapa para conquistar e defender. Survival, um modo em tudo semelhante ao agora extinto Horde, com a diferença de ter apenas dez vagas de inimigos e dificuldade acrescida ao obrigar os jogadores defender diversos pontos do mapa, como geradores. Para finalizar temos o Free for All, que como o nome indica, é o habitual tudo ao molho. De regresso está o Team Deathmatch, que acaba por ser o único sobrevivente dos capítulos anteriores.

Extremamente limitada é a variedade de mapas que acompanham a vertente online de Judgment, apenas 8. Quatro para os modos OverRun e Survival ( Estate, Island, Skyline, Junkyard) e outros quatro (Gondola, Library, Rig, Streets) para os restantes modos. É certo que os mapas são relativamente grandes possuindo também bastante verticalidade, a isso alia-se a forma como os jogadores são transportados de objectivo em objectivo de forma “aleatória” que consegue alterar a abordagem a cada uma das situações.

Gears Of War Judgment review screenshot 2Os fãs da Gnasher podem ficar descansados que pouco mudou, o poder de destruição continua lá apesar de uma ligeira redução do alcance da mesma. Por outro lado os detratores dos confrontos limitados ao uso de caçadeira ficarão satisfeitos em saber que novas armas como a sniper semi-automática Markza ou a espingarda Locust Breechshot permitem uma abordagem diferente da jogabilidade que se conjuga com mapas mais abertos. A forma como a comunidade irá pegar no online de Judgement só o tempo dirá, mas para já, é extremamente divertido e desafiante.

Mas isso não desculpa o reduzido número de mapas disponíveis. Especialmente quando no horizonte temos a promessa de DLC gratuito e um season pass. Ou seja, o aumento do número de mapas é garantido. Agora resta saber se os mapas e modos presentes em Judgment conseguem cativar os jogadores mais virados para a componente online ao ponto destes se sentirem motivados para, num futuro breve, investirem um pouco mais.

No cômputo geral a People Can Fly consegue dar a Gears of War: Judgment um estranho equilíbrio. Por um lado não é o Gears of War a que todos estávamos habituados mas por outro também não mancha a herança. A campanha é mais rápida e direta ao assunto que nos capítulos anteriores e graças às missões Declassified ganha bastante replay value e uma atitude mais arcade mas faltam-lhe as boss fights a que estávamos habituados.

O argumento é divertido e dá uma perspectiva diferente da luta dos COG e das suas relações pessoais, no entanto a forma como é apresentado faz com nunca nos sintamos realmente identificados com os personagens ao ponto de nos preocuparmos.

Judgment não vai desiludir os fãs da saga e provavelmente até conseguirá conquistar novos jogadores, mas no fim de contas parece faltar algo difícil de verbalizar, há uma “aura” que se perdeu com saída de Cliff Bleszinski e a entrada em cena da People Can Fly. Judgment pode ser o canto do cisne da saga na XBOX 360, mas abre portas e aponta caminhos para algo totalmente diferente na próxima consola da Microsoft.

 

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