Análises

Alice: Madness Returns

Loucura: subst f loucura [lo’kurɐ] – “Segundo a psicologia, é uma condição da mente humana caracterizada por pensamentos considerados “anormais” pela sociedade.”

Alice: Madness Returns bem se pode gabar de ser 100% fiel ao que o seu subtítulo promete. A loucura tem um lado cativante, muitas vezes anda de mãos dadas com a genialidade e há algo nesses extremos que fascina o ser humano. É talvez a capacidade de poder sair do estanque da normalidade ou então a possibilidade de conhecer um lado mais desconhecido de nós próprios. No entanto ninguém quer mais do que um simples vislumbre porque ele é ao mesmo tempo assustador e incontrolável. Ninguém quer sair da normalidade e do que é moralmente e sociológicamente aceitável, faz parte do ser humano, caso contrário seremos inevitavelmente chamados de loucos pelos ditos “normais”.

Alice: Madness Returns não tem esse medo, não tem receios de ir mais além do que um simples vislumbre. Este é um jogo fora dos padrões da normalidade, esteve desde o primeiro dia condenado a ser olhado e apontado como algo anormal. Um louco. Como disse antes há um forte e estranho apelo nisso. Sempre fui um defensor do primeiro jogo (mesmo com as suas falhas básicas) e parti para esta sequela com enormes expectativas, disposto a perdoar e a esperar os sinais de genialidade que tantas vezes emanam da aparente loucura, mas infelizmente raramente os consegui vislumbrar.

Deixem-me colocar de lado estas analogias, já deu para perceber o que quero dizer, mas é um facto que ele consegue captar na perfeição a loucura da mente perturbada de Alice a tal ponto que o próprio jogo acaba por cair no que tenta mostrar. Claro, já se sabia que a excelente parte artística, especialmente a visual (vindo de quem vem) conseguiria-nos transportar para esses mundos anormais e perturbadores. No entanto, o jogo vai mais além, a sua filosofia e as suas mecânicas básicas tem sérios e graves problemas (que irei aprofundar mais à frente) que ajudam a mergulhar o próprio jogo num estado de anormalidade. Era engraçado se fosse algo propositado (seria uma meta referência curiosa) mas sinceramente não acho, porque na prática acabam por transformar Alice: Madness Returns num jogo medíocre.

Durante as 14 horas que demorei a termina-lo quase nunca consegui afastar a ideia de que os seus responsáveis não têm qualquer ideia de ritmo. Alice: Madness Returns não têm noção de como controlar a intensidade de jogo nem de como dosear a fatiga do jogador. Vivemos numa época em que todos se queixam que os jogos deveriam ser mais longos, mas Alice tem o dobro da duração que deveria ter, este deveria ser um jogo de 8 horas. Para ser directo, metade do jogo é palha, e essa palha é composta por inúmeras repetições quer sejam de puzzles, plataformas ou combate, chega um ponto que as coisas se tornam tão cansativas, desmotivantes e previsíveis que simplesmente se torna penoso jogar.

Os puzzles são sempre demasiado acessíveis. As sequências de plataformas começam bem (o controlo da Alice é bastante bom) mas nunca conseguem apresentar novos desafios, caindo na repetição. O combate acaba por ser um dos aspectos mais gratificantes (exceptuando o sistema de lock da camera que muitas vezes falha) mas também ele cai na repetição porque é usado grande parte das vezes como um filler para estender a duração do jogo.

Depois há o level design… que é do mais desinspirado que já vi, dá a sensação de que construíram primeiro os cenários e só depois tentaram montar níveis a partir desse modelo, aliás todo o jogo transmite-me essa sensação. Há uma ideia central que originou o projecto (a direcção artística) e o resto foi pensado posteriormente sem grande cuidado.

Visualmente é especial, não em termos técnicos já que é o UE3 já mais que gasto (se bem que o cabelo da Alice é uma coisa fantástica) mas na sua arte. À semelhança do que o seu predecessor fez em 2000, Alice Madness Returns tem um estilo próprio muito solidificado e pensado desde o inicio. Se nos outros aspectos em que isso não acontece ele falha, aqui pelo contrário brilha, e muito. Toda a atmosfera é especial, o isolamento do jogador, a história que chega retalhada a espaços como um puzzle, a música que às vezes cai numa repetição quase mecânica, as imagens anormais e surreais e os próprios problemas de ritmo e repetição (que desgastam o jogador) ajudam à entrada do jogador num mundo de loucura com breves traços de genialidade.

Esses momentos de génio são raros, mas estão lá, como por exemplo no divinal inicio do 4º capitulo e em alguns momentos em Londres. São esses pequenos momentos que me deixaram triste e desiludido pelo que o jogo poderia ter sido. Mas a diferença entre genialidade e loucura é muito ténue e Alice: Madness Returns infelizmente é um caso clínico aparentemente sem cura à vista para muita pena minha.

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