Análises

Dear Esther

O que é Dear Esther?

É um pouco difícil descrever e até classificar Dear Esther, nem sei se será correcto classifica-lo como jogo. Muito basicamente, consiste numa ilha deserta que o jogador pode explorar a seu belo prazer e sem qualquer objectivo. Enquanto a explora vão sendo activados em locais estratégicos e de forma aleatória curtos monólogos onde são reveladas pequenas partes da história.

É uma descrição um pouco redutora e simplista, mas é perfeitamente válida. Quem já andou por aí a ler sobre Dear Esther, quase todos questionam o mesmo que eu, é Dear Esther um jogo? É uma questão pertinente porque de facto esta é uma obra difícil de qualificar. Os videojogos ainda são relativamente recentes e nem sempre é fácil definir bem as suas fronteiras. Pessoalmente vejo Dear Esther como um videojogo, mas com objectivos e finalidades um pouco diferentes do que estamos habituados. Se aparentemente a ausência de objectivos e a limitada interactividade afastam-nos da ideia tradicional de videojogo, vendo as coisas à lupa conseguimos ver uma narrativa que funciona como um puzzle, cujas peças estão espalhadas pela ilha, quer seja através de narração ou de mensagens visuais.

Uma questão meio controversa de todo este projecto é a da sua interactividade. Dear Esther é extremamente limitado neste campo, não é possível interagir com nenhum objecto, não é possível saltar, abaixar, basicamente o jogador é desincentivado a abandonar o cerne da experiência. A grande mais-valia de qualquer videojogo é a sua interactividade, é isso que os separa das outras formas artísticas e Dear Esther não a aproveita como se calhar poderia fazer. O design da ilha está muito mais intuitivo que nos tempos do mod, muito por causa dos discretos sinais visuais que ajudam a guiar o jogador. Embora existam diversas ramificações ao caminho principal, apenas esse caminho tem continuidade, é portanto uma experiência completamente linear.

Mas não esperem que o apelo do jogo se esbata no primeiro playthrough. O jogador é incentivado a voltar várias vezes à ilha, porque a cada jogo, certos objectos, imagens e pistas são alterados. É muito interessante ouvir relatos de pessoas que encontraram certos detalhes diferentes de outras pessoas. Para além disso, se o jogador quiser ter uma maior noção da história, deverá jogar várias vezes, porque só assim conseguirá ouvir todos os monólogos do narrador.

Uma experiência memorável é aquela que permanece connosco durante muito tempo. É impressionante o quão fresco estava na minha memória a experiência que tive com o mod há 2 anos atrás. Só o joguei uma vez e grande parte da ilha ainda estava gravada na minha memória, e mesmo com um visual completamente renovado. É indescritível a sensação de recordar de forma tão viva, momentos que à primeira vista não pareciam tão importantes. Muito disso é atingido pela atmosfera única da ilha. A solidão melancólica, o som do vento e das ondas a rebentarem nas falésias, a praia iluminada pelo luar, a música, os sons… tudo me faz transportar para um mundo único, inimitável e para um estado de espírito muito próprio.

É curioso que um dos defeitos do mod é uma das qualidades do jogo. Grande parte do chamariz deste remake passa pelos visuais, por melhor que seja a ideia e a premissa, isso não é propriamente apelativo para quem nunca se interessou inicialmente pelo mod original. Desde que este remake foi anunciado, que todos se renderam aos maravilhosos visuais e à sua direcção artística a cargo de Robert Briscoe, um dos responsáveis pelo visual de Mirror’s Edge quando estava na DICE. Apesar de algumas limitações do motor source e de alguns truques (vegetação em 2D) Dear Esther é facilmente um dos jogos mais bonitos de… bom… de sempre.

Felizmente a parte sonora manteve os elevados níveis qualitativos do mod. A par dos visuais arrebatadores, também o design sonoro é irrepreensível. Para além da belíssima e melancólica musica, todos os sons são subtilmente montados de forma a complementar a experiência, o vento a rugir, a vegetação que se move ao seu sabor, a água a correr colina abaixo, os pingos que ecoam nas grutas, tudo conjugado ajuda a transportar o jogador para um sitio especial e a entrar no estado de espírito certo.

Mas Dear Esther é daqueles jogos que inevitavelmente criam sempre controversa e divide as pessoas. Dum lado estão os pseudo intelectuais que irão qualificar Dear Esther como arte, poesia e dirão que está isento de criticas. Por outro os tipos do contra que não conseguem equacionar como alguém pode comprar “isto” e que Dear Esther é lixo pretensioso sem substancia só por estar a fazer algo de diferente. A verdade deverá estar a meio termo… Dear Esther é poesia… pretensiosa… ou algo do género.

Terei sempre de louvar quem tenta algo mais experimental como jogo. É assim que se quebram novas barreiras e se ultrapassam fronteiras, indicando novos caminhos por onde este meio pode evoluir. Mas para ser sincero, o que quero ver são estas “descobertas” adaptadas a jogos mais tradicionais, imaginem uma aventura gráfica de mistério e terror ao estilo de Penumbra passada na ilha de Dear Esther… seria fantástico.

É muito ingrato dar uma nota a um projecto destes. Não o posso comparar com… nada porque não há muita coisa (pelo menos comercialmente, há no entanto diversos mods que tentam emular a mesma ideia) que se lhe possa comparar. Se o inserirmos no meio de tudo o resto nunca poderia deixar passar a sua enorme limitação, restrição e a reduzida interactividade. E se é dum jogo tradicional que procuram é claro que nunca poderei aconselhar Dear Esther, como tal a nota teria de reflectir isso mesmo. Mas é injusto inseri-lo no mesmo saco de tudo o resto. Uma obra experimental é precisamente isso, tenta fazer algo inovador e ao ser diferente merece ser analisado por isso mesmo. E como experiência que é, Dear Esther, mesmo com limitações, merece nota máxima, porque atingiu na perfeição o que se propunha fazer.

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