Análises

Mass Effect 3

Terminou. Foi uma viagem que durou três jogos e quatro anos, Mass Effect foi uma série que, goste-se ou não, teve um enorme impacto na comunidade e eu não fugi à regra. Fiquei rendido ao universo criado pela Bioware e de todos os seus intervenientes. Sou um fã, como tal a seguinte análise deve ser vista precisamente como uma opinião dum fã.

Mas isso não significa que seja cego. Por muito que goste do universo de Mass Effect, a minha relação com a série ao longo dos anos têm vindo a deteriorar-se, especialmente após o 2º capitulo. Se é verdade que gostei de Mass Effect 2, sempre achei que lhe faltava o charme e a ingenuidade do primeiro jogo e durante o 2º playthrough que fiz nas semanas precedentes à chegada de Mass Effect 3, reparei em inúmeras falhas e pontos negativos que antes tinha deixado passar, na verdade uma boa parte dele foi extremamente enfadonho agora que já sabia o rumo da história.

Já todos conhecem a mudança de rumo da série, de como deixou de ser um RPG para se transformar primordialmente num jogo de acção. É uma mudança que a mim particularmente não me faz confusão, acho que os jogos de acção precisam mais de Mass Effect que os RPG. Mass Effect 2 é um dos jogos de acção com melhor qualidade narrativa e isso é muito bem vindo a um género maioritariamente povoado por mediocridade narrativa. Mass Effect 3 aprofunda ainda mais essa mudança, como tal esperem mais Mass Effect 2 do que Mass Effect 1, na verdade grande parte das suas mecânicas permanecem inalteradas.

Este é obviamente um jogo apenas indicado para fãs, quem nunca tocou na série não vai (nem deve) começar por aqui, como tal, a esmagadora maioria do jogo é basicamente fan service. Mas mesmo sendo fã e mesmo recebendo momentos especialmente indicados para mim, não posso deixar escapar a sua deficiente jogabilidade, na verdade sempre foi um problema que tive com o passar dos jogos. Em Mass Effect 3 90% (percentagem inventada por mim) de real jogabilidade é única e exclusivamente composta por combate. Até aqui tudo bem, é um jogo de acção, mas se formos a dissecar os encontros ao longo do jogo, é um pouco triste verificar o quão repetitivo e previsível ele é. É triste como é fácil prever onde, como e quando vai surgir a próxima horda de inimigos. Mais cedo ou mais tarde, para quem não for especialmente adepto de galerias de tiro, o combate vai acabar por ser um enfadonho e repetitivo entrave à experiência narrativa.

Também o level design manteve-se demasiado básico e simplista, sendo pouco mais que longos corredores sem qualquer incentivo para exploração, no entanto, devo dizer que em alguns casos há uma clara tentativa de melhorar os corredores que vimos em Mass Effect 2 com uma maior liberdade, que possibilita em alguns casos flanquear o inimigo. É assim possível adoptar diferentes estratégias para além da típica que nos obriga a usar cobertura. No entanto é raríssimo o cenário que vá para além destes corredores, há uma ou outra arena usada para combate e pouco mais. Já nem sequer encontramos hub worlds mais complexos para além da Citadel.

Mas todos estamos a jogar por causa da história, todos queremos saber qual o desfecho desta opera espacial. O final pode ter sido uma desilusão (já lá vamos) mas e em termos narrativos? Valeu a pena? Embora alguma da escrita esteja aquém e algumas das decisões não me tenham agradado, a resposta é um grande e redondo… SIM! Devo dizer que não esperava que os Reapers fossem tão… vulneráveis. Durante o primeiro jogo, Sovereign ameaçava duma forma que os Reapers pareciam seres quase divinos, dignos de lendas “Cthulhianas”, na verdade são basicamente máquinas de grandes dimensões e extremamente vulneráveis. Mas isso são detalhes, a história flui de forma agradável (mesmo com quebras extremamente forçadas como os pesadelos do(a) Sheppard) com alguns momentos arrepiantes e tocantes. É uma experiência que merece ser vivida.

E é precisamente essa experiência que todos procuram. O apelo da série é, e sempre foi o seu lore, o seu universo e as pessoas que o habitam. É um prazer reencontrar velhos amigos ao longo da viagem e é muito recompensador fazê-la ao lado de personagens virtuais que nos acompanham há tanto tempo. É verdade que muitos deles seguiram o rumo da própria série e perderam um pouco do realismo e “anonimato” do primeiro jogo, tornando-se agora muito artificiais e caricaturais, quase estrelas de cinema, mas não deixam de ser os nossos amigos. Na verdade quase todos os momentos de maior impacto no jogo centram-se (à semelhança do anterior jogo) precisamente nas personagens e na forma como lidam com os acontecimentos e interagem com o (a) Sheppard. Quase todos estão de regresso (os antigos companheiros aparecem todos sem excepção) e mesmo os mais secundários têm os seus cameos, no entanto apenas um punhado deles continuam como companheiros a tempo inteiro. Há algumas novas personagens, como o extremamente olvidável Vega, o “DLC Javik” e a nova (e visualmente muito pateta) EDI.

Por falar na nova EDI, ela é um claro exemplo da mudança de tom da série, ela estaria completamente à parte dentro do tom do primeiro jogo. A série vem sofrendo uma constante… sexualização ou “juvenialização” (inventado agora mesmo por mim) provavelmente para agradar a um público no auge da puberdade. Atenção que não critico a personagem em si, a EDI é de extrema importância e coloca algumas das questões mais pertinentes de toda a série. Apenas falo da parte visual, e ela é apenas um exemplo, sinto que a série veio perdendo algum do realismo e seriedade cientifica que o primeiro jogo ainda procurava seguir, agora encontramos andróides mamalhudas, ninjas do espaço e muita patetice cientifica.

Esta sempre foi uma série que tentou elevar a fasquia cinemática e nunca teve grandes problemas em sacrificar a jogabilidade em favor de momentos cinemáticos com menos controlo do jogador, situação presente aqui. As primeiras horas de jogo são particularmente indicativas disto mesmo, uma grande percentagem dessa longa introdução é composta por cutscenes, entrando por caminhos que fariam Kojima um homem orgulhoso. Felizmente depois dum certo ponto, o jogo abre-se e entramos em territórios mais típicos da série com o habitual mapa galáctico e exploração.

Mas mesmo com essa abertura, Mass Effect 3 “parece” mais linear do que realmente é. Isto deve-se particularmente ao sentimento de urgência que o estado da galáxia nos transmite. Ao jogar uma 2ª vez o Mass Effect 2, um dos grandes problemas que reencontrei foi a falta de ritmo, com missões aparentemente irrelevantes (as missões de lealdade) que chocavam com a ideia de que havia uma galáxia para salvar. Embora aqui a estrutura de missões não seja muito diferente (o jogador escolhe as missões que bem entender) cada missão parece importante para o desfecho final e não fica a sensação que andamos a vaguear pelo espaço sem grande rumo.

Precisamente a exploração sempre foi um quebra cabeças para a Bioware e é algo que nunca souberam bem o que fazer. Na minha opinião a exploração da galáxia no primeiro jogo estava próxima do ideal, no entanto ela foi completamente remodelada no segundo capítulo, com algumas boas ideias diga-se, mas voltaram a fazer mudanças neste terceiro jogo. A realidade é que continua a não estar satisfatória. A ideia de ter que evadir dos Reapers no mapa é interessante mas mal executada e a exploração dos planetas ficou reduzida à busca por artefactos. Espalhados pelos três jogos estão boas ideias e más execuções, o ideal seria juntar e aperfeiçoar as boas ideias dos três modelos.

Mas se na exploração as coisas não estão perfeitas, o que dizer do journal? O que se passou? Nos anteriores jogos funcionava bem e as missões estavam separadas entre as principais e secundárias, sendo que cada uma delas aprofundava em que estado estava. Agora é uma enorme salgalhada, sendo que se torna impossível saber em que ponto a missão está… Após uma dezena de horas de jogo, todas as missões secundárias (a maioria delas apenas requerem encontrar artefactos ao longo da galáxia) ficam misturadas com as principais. Não entendo o que se passou.

Em termos técnicos deixa bastante a desejar, as animações que eram impressionantes no primeiro jogo, estão agora ultrapassadas, as texturas são de baixa resolução e como um todo é visível que pouco evoluiu desde o primeiro jogo e hoje em dia já não consegue esconder as rugas e a idade. Não deixa no entanto de ser um jogo bonito, muito por causa da direcção artística que continua acima da média. Em termos sonoros o que mais se destaca é a banda sonora, aqui a cargo de Clint Mansell. No entanto e infelizmente é um Clint um pouco amordaçado pela herança dos anteriores jogos e não é tão memorável como as suas composições para cinema. O voice acting continua irrepreensível, a voz do Sheppard masculino continua um pouco preso, mas sofreu uma enorme melhoria em relação aos anteriores jogos. A Jennifer Hale ainda não tive oportunidade de ouvir.

Ia-me esquecendo do multiplayer… e é fácil adivinhar porquê. É das coisas mais forçadas que alguma vez vi, é basicamente horde mode e aparentemente teria influência no modo singleplayer, no entanto agora que conhecemos o final do jogo, as motivações para perder tempo por lá são zero.

Ah mas não falas do final?!

Não vou falar muito. Acho que toda a polémica à volta do final tem sido completamente exagerada e desproporcionada. É duma infantilidade as petições para que a Bioware mude o final que nem sequer me vou pronunciar sobre isso. Há muitas e interessantes criticas que exemplificam o que está mal e o que está bem e não vou bater na mesma tecla. Pessoalmente achei um final pouco satisfatório, muito porque vai completamente contra a filosofia à qual a série sempre se baseou. Ao retirar qualquer possibilidade do jogador recusar render-se (sim porque todas as três opções são rendições) vai contra a ideia do que Mass Effect era, um RPG em que o jogador escolhe as decisões de Sheppard. No final o jogador está de mãos atadas e é obrigado a escolher uma variante do mesmo final, sendo que qualquer uma dessas escolhas pouco reflecte os ideais morais das relações interespécie que a série sempre foi apologista.

É no entanto verdade que o final não necessitaria de ter obrigatoriamente escolhas, todas elas tiveram as suas repercussões durante os três jogos. Esta série sempre foi um bastião de escolhas e consequências e todos temos de tirar o chapéu à ideia, mas o final é um espelho do quão retrograda é o sistema implementado pela Bioware. O final é literalmente uma escolha binária (ou melhor trinária) com repercussões imediatas. Sempre foi um sistema central na série, à qual critiquei e foi pena que tenha terminado precisamente assim. Depois do que a série The Witcher nos mostrou, um sistema tão básico e rudimentar  torna-se difícil de engolir.

Mas Mass Effect 3 é um óptimo desfecho duma trilogia que me fez passar momentos memoráveis. No entanto, não é menos verdade que como jogo raramente sai da mediania. Se não fosse o universo ao qual se apoia, ninguém daria grande importância ao esqueleto que ficaria à mostra. A pontuação que dei é a máxima que alguma vez poderia dar ao JOGO que é Mass Effect 3, realisticamente até deveria levar uma nota mais baixa, mas sou fã deste universo e criei uma ligação emocional que não deve ser menosprezada.

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