Análises

Castlevania: Lords of Shadows 2

Castlevania estará sempre associado aos clássicos jogos 2D dos anos 90, sendo que Symphony of the Night será provavelmente o pináculo da série. Nesta última década os vários jogos nas portáteis têm gozado de sucesso, emulando aquilo que o clássico de 1997 trouxe para a mesa, no entanto, a passagem para o plano 3D não tem sido das mais fáceis. Não é a primeira vez que a série tenta uma aventura em três dimensões, mas foi com o primeiro Lords of Shadow, mesmo apesar das críticas dos fãs mais acérrimos, que esta deu sinais que talvez fosse desta que o franchise se estabelecesse.
O primeiro jogo mostrava um bom potencial. Tínhamos um sistema de combate competente, aliado a um jogo bonito, indo buscar inspiração a outros títulos, que tentou trazer toda a glória das incursões 2D para o presente. Apesar dos problemas, quer técnicos, quer de jogabilidade, a verdade é que este jogo foi o Castlevania que mais sucesso comercial teve, como tal seria de esperar que a Konami desse a luz verde a uma sequela.

Eis que chegamos então a Lords of Shadow 2. As expectativas são grandes, uma vez que o primeiro jogo mostrava que havia muito por onde explorar para melhorar, e talvez com uma maior equipa e aprendendo com o que não correu bem, seria desta que a Mercury Steam daria à sua trilogia de Drácula um final digno do nome deste personagem e da história que ele representa na Konami.

Castlevania Lords of Shadows 2 screenshot 1Alguns séculos depois dos acontecimentos do primeiro jogo, Drácula ressurge do seu longo “retiro”. Fraco e sem réstia dos seus poderes, vê-se numa cidade moderna muito diferente daquela de qual se lembra. O seu “velho amigo” Zobek faz-lhe uma visita, com uma proposta e um aviso. Satã está a preparar-se para regressar ao mundo dos humanos, e antes que este o possa fazer, e exercer a sua vingança, seria de todo o interesse do príncipe das trevas fazer tudo ao seu alcance para que isso não aconteça. Em troca da ajuda deste, Zobek oferece a única coisa passível de moeda de troca, o descanso eterno. Existe um pequeno recap de todos os acontecimentos do primeiro jogo, e da sua sequela Mirror of Fate, da 3DS, fazendo com que não sejamos atirados de imediato para a aventura sem qualquer tipo de contexto, especialmente para quem não jogou os jogos anteriores.
Todo o enredo do jogo é passado em dois planos, o castelo de Drácula e a cidade de Wygol. Uma parte destina-se a reavivar os poderes adormecidos de Drácula e outra na busca de informação com vista a impedir o regresso de Satã.

Apesar da premissa ser ao primeiro interessante, cedo esta se revela ser uma incessante busca de algo por parte do nosso protagonista. A sensação de sermos o moço de recados que anda à procura de coisas, que mais tarde se revelam pouco ou nada relevantes para a história, instala-se relativamente cedo.
A decisão de trazer o jogo para os tempos modernos não deve ter sido fácil e ao jogarmos a parte citadina percebemos rapidamente o porquê de ela não funcionar no jogo. Esta parte vai ficar associada aos piores momentos, exacerbados pelas mecânicas e design de níveis que não fazem qualquer tipo de sentido num jogo destes. Coisas como secções de stealth e viagens pelos recantos mais desinspirados da cidade são partes constantes aqui. A primeira coisa que passa pela cabeça ao entrar na cidade é que esperamos que acabe o mais rápido possível para que possamos voltar ao castelo, mas mais sobre isso nas secções de jogabilidade.
O jogo padece de um problema que assolou o seu antecessor, longevidade. Existem secções que são meros fillers, ou seja, prolongam demasiado partes que não necessitariam disso, havendo casos que questionamos o porquê de sequer existir. É, portanto, é uma aventura longa, terminando um primeiro playthrough entre as 12 e 18 horas, com o relógio a marcar as 16H30m e 65% completo aqui.
Não convém esquecer com quem estamos a jogar, e se dúvidas houvessem disso, muito cedo o jogo faz-nos questão de o lembrar. O objetivo não será fazer com que gostemos de Drácula, mas apenas acompanhar o personagem na sua história, e a da sua linhagem Belmont. Se este obtém ou não a redenção no final do jogo caberá a nós interpretar, pois dizer mais seria perigoso.

Castlevania Lords of Shadows 2 screenshot 2É um pouco difícil, hoje em dia, dizer o que implica ter o nome Castlevania no nome. Monstros e cenário gótico? Sim, com certeza. Exploração e sensação de solidão? Claro. Um mundo interligado que mais tarde se conecta e um bom sistema de combate com um variado arsenal para usar? Parece bem. Serão talvez alguns pontos que caracterizam o franchise, mas não foi este o resultado final.
O sistema de combate permanece quase inalterado desde o primeiro jogo, tendo desta vez à nossa disposição mais duas armas principais. A Void Sword destaca-se por fazer regeneração da nossa vida, já as Chaos Claws têm a habilidade de destruir escudos. A estas duas junta-se o combat whip, que regressa, em conjunto com mais algumas armas secundárias, que são mais contextuais do que realmente importantes no combate e na sua diversificação. Por fim temos alguns power up, que nos ajudam a recuperar a vida, ter magia infinita, encontrar segredos, entre outros.
Três armas dão a sensação de grande diversidade e combinações possíveis, no entanto, isto não se verifica. As diferenças entre as armas deixam de existir no momento em que sabemos qual a função delas, descrita atrás. Os movimentos não encadeiam entre si, ou seja, não temos um sistema tradicional de combinações que leve à diversificação dos nossos ataques. O facto de termos que comprar movimentos semelhantes em todas as armas é redundante, e não se justifica. Apesar de haver algumas habilidades específicas para cada arma, é frequente acabarmos por repetir os mesmos ataques, pois sem possibilidade de encadeamento, não nos é incentivada a diversidade.

O sistema de focus regressa do primeiro jogo, e continua com um dos seus grandes problemas, quebra de ritmo, pois temos que usar energia para usar a espada e os punhos. Tal como no título anterior um bloqueio perfeito enche uma barra de focus na parte inferior do ecrã, e à medida que desferimos mais golpes, sem ser atingidos, essa barra cresce, culminando em orbs que ficam a flutuar no cenário. Se quisermos usar a Void Sword sugamos as orbs com o L3, e R3 para as Chaos Claws. Isto faz com que tenhamos que parar tudo o que estejamos a fazer no combate, e sugar esta energia, pois não é possível usar as duas armas adicionais sem isto. O ritmo de combate diminui consideravelmente devido a esta mecânica e acabamos por ter que usar maioritariamente o chicote.
É possível adquirir novas habilidades para as três armas principais, existindo uma árvore para cada uma, bem grande diga-se. Fazendo level up em algumas delas, acrescenta um ataque mais forte no último movimento. As armas aumentam de nível, e é só assim que conseguimos fazer mais dano com estas, sendo que só utilizando diferentes ataques podemos fazer com que isso aconteça, e é apenas aqui que compensa tentar alguma diversidade nos ataques, embora seja difícil perceber se estamos ou não a fazer mais dano, pois esta mecânica não nos é explicada e visualmente a arma pouco ou nada muda.

O movimento geral do personagem é mais rápido, pois a sua esquiva é essencial no combate. Temos um número infinito de vezes em que podemos usar esta habilidade que não confere nenhum frame de invencibilidade, o que me parece uma decisão estranha. Podemos cancelar qualquer ataque com este movimento o que é uma táctica importante, incluindo ataques aéreos.
A câmera do jogo foi tornada livre, ou seja, podemos movimentá-la à vontade com o analógico direito. É uma adição muito bem vinda, mas existem muitas vezes onde esta não sabe se quer estar muito próxima do personagem, o que geralmente dificulta a visão do que está imediatamente à nossa volta, ou então demasiado afastada, o que durante o combate dificulta a visão dos ataques.

Outro dos grandes problemas do combate tem a ver com os inimigos e a maneira como sabemos, ou não, que estão prestes a atacar. Jogos mais tradicionais como Devil May Cry ou Bayonetta têm uma pequena dica visual e sonora nos seus inimigos para nos mostrar que está iminente um ataque. Isso não existe aqui, o que torna demasiado frustrante ter que adivinhar quando é que um monstro vai atacar. Os ataques mais fortes, que não podem ser bloqueados, têm esta indicação, como tal a ausência deste tipo de informação nos ataques normais é incompreensível. Isto é de certa forma compensado pela janela de oportunidade relativamente grande que temos para fazer um bloqueio perfeito, que impele os inimigos para trás, permitindo subir as barra de focus mais rapidamente. Grande parte dos ataques não proporcionam hitstun, o que faz com que muitas vezes estejamos a executar combos que nada fazem se não bater em “estátuas” firme e hirtas.
Ainda assim o combate consegue ser satisfatório, proporcionando algum interesse, mas que no plano geral falha nos seus propósitos não tendo sido alvo da necessária evolução chegando mesmo a introduzir outros problemas, o que é uma pena considerando que é dos pontos fulcrais do jogo.

Castlevania Lords of Shadows 2 screenshot 3A exploração é outro dos grandes aspetos do jogo. Ao longo da aventura é possível encontrar vários tesouros escondidos, uns que estão imediatamente à vista, e outros que apenas podem ser apanhados desde que tenhamos as habilidades corretas. Isto encoraja a revisitarmos áreas passadas pois os tesouros que existem são muitos, e entre eles estão a capacidade de aumentar a nossa barra de vida ou então as barras de energia das armas. Espalhados pelos níveis estão também diversos pedaços de arte que mostram o que a produtora sabe fazer de melhor.
Como dito anteriormente o jogo encontra-se dividido em duas partes. No castelo temos uma amostra do que a Mercury Steam consegue fazer, com cenários variados, tesouros e níveis que dão prazer jogar. Na cidade o monstro mostra a sua cara. A exploração na cidade introduz um tipo de jogabilidade que não tem lugar num action game, secções de stealth. Durante as mesmas não podemos utilizar as nossas armas principais, e uma vez descobertos, fugimos literalmente como ratos, ou então morremos, pois não é possível fazer nada. São partes que como stealth não funcionam, pois não nos dão escolhas, portanto, ou fazemos como o jogo quer ou reiniciamos. Não duram muito tempo mas ainda são algumas, sendo que uma delas, excecionalmente, é na parte do castelo, e ironicamente é uma das piores e mais frustrantes.

Secções deslocadas e sem sentido à parte, a exploração no jogo é bem conseguida. Andar num castelo gigante à procura de segredos e explorar todos os recantos é satisfatório. Os momentos de plataformas, se é que lhes podemos chamar isso, são todos automáticos, em que o único obstáculo é decidir para onde temos que apontar o analógico. Em algumas partes é difícil ver para onde ir, fruto da pouca atenção que foi dada para mostrar ao jogador o caminho a seguir, tornando o uso do botão de dicas, L2, uma necessidade. O salto, que não é sensível à pressão do botão, é algo floaty, impreciso, indicando que o foco estava direcionado para outro sítio.
Por falar em dicas, aconselharia a desligar nas opções as dicas de texto que o jogo mostra. Nas partes iniciais do jogo isto quase que resolve alguns dos puzzles por nós e direciona o nosso jogo num determinado sentido, estando constantemente a ser bombardeados com informação, muitas das vezes repetida. Os Quick Time Events podem também ser desligados, mas não deixa de ser estanho assistir a certas cinemáticas em que ação pára propositadamente para o que seria o pressionar de um botão.

Castlevania Lords of Shadows 2 screenshot 4Se há algo que não podemos negar é o que os nossos olhos vêm, e de facto a arte que o jogo tem é excelente… em parte. O ótimo trabalho feito nos diversos cenários, os detalhes da roupa, a arquitetura que temos ao longo de várias partes, são alguns exemplos do festim visual para o jogador… isto no castelo. É especialmente impressionante como é que uma equipa que nos dá uma parte muito bonita do jogo, de repente nos transporta para algo completamente desprovido de carisma, interesse e visualmente chato e mau, falamos pois da parte citadina da campanha. É como se o jogo tivesse sido feito por duas equipas distintas, tal é a diferença de tom visual e alma daquilo que vemos, com frequentes passagens por armazéns, becos, esgotos e as demais partes de uma cidade completamente desinteressantes que possam imaginar. Para piorar as coisas os inimigos são, com exceções raras, insípidos e despidos de qualquer traço de originalidade, e como se isso não bastasse, temos alguns cuja aparência de inseto ou suíno aliada às armas de fogo, sim armas, tornam o combate mais frustrante e desinteressante do que aquilo que deveria ser, inclusive com ataques fora da câmera, também conhecidos como balas.

Foi dada uma atenção especial aos menus do jogo, que apesar de algo confusos de navegar, são o que se chamaria vulgarmente um livro de arte, pois todos eles apresentam o trabalho artístico da equipa com excertos de lore que podemos apanhar no jogo. Para além disso as habilidades das armas têm uma pequena animação a mostrar o que fazem, o resultado final é muito bom.
É de salientar a grande atenção dada aos bosses. Tanto o seu visual como as suas batalhas estão bem implementadas, sendo que o pequeno toque de resolução de puzzles na maioria deles dá um toque muito apreciado durante o confronto, evitando que se torne demasiado focado no combate.
A performance do jogo é excelente, facto a referir, pois no primeiro era frequente não termos uma framerate estável e aceitável. Mesmo durante as partes mais intensas o jogo aguenta muito bem aquilo que se está a passar no ecrã.

No campo sonoro Oscar Araújo está de volta para a banda sonora. O resultado final é bom, com passagens orquestrais nas partes mais importantes do jogo, mas não deixamos de notar que certos temas se repetem, talvez demais durante a campanha, e em momentos mais calmos.
Robert Carlyle e Patrick Stewart regressam para dar voz aos personagens, e desta vez são acompanhados por Richard Madden (Alucard), que muitos conhecem da série guerra dos tronos. O desempenho de Carlyle é muito bom e consegue, apesar de inconsistências menores, fazer um trabalho de nota fazendo-se acompanhar de boas performances dos restantes.

Após terminarmos o jogo temos a escolha de continuar a explorar a cidade e procurar por tesouros e segredos escondidos, ou então podemos escolher transitar para new game + para a dificuldade seguinte, levando tudo o que encontramos, upgrades de vida, magia e a coleção de arte que encontramos ao longo do jogo. Podemos ainda tentar passar os desafios de Kleidos, que são combates efetuados em arenas e têm determinadas condições para serem ultrapassados, sendo que são desbloqueados com itens que apanhamos durante a campanha.

 
Lords of Shadow 2 acaba por se revelar apenas um jogo satisfatório. Algures no processo para ver o que tinha corrido mal durante o primeiro jogo a Mercury Steam perdeu-se, e quis tentar algo que destoa completamente do espírito do primeiro jogo, ou seja, um jogo focado nos aspetos importantes de jogabilidade, com uma arte muito bonita e diferenciadora.
Não deixa de ser curioso que o final do primeiro jogo tenha moldado o que iria ser a sequela, e é precisamente esse aspeto de modernidade que se tornou um dos piores pontos do jogo. Não é continuação que muitos desejariam, mas se adoraram o primeiro jogo vale a pena dar uma oportunidade à sequela, desde que estejam preparados para uma parte contemporânea que a arrasta para o abismo.

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