Análises

Dark Souls II

Gerir as expectativas de uma sequela das minhas séries preferidas da geração anterior foi um desafio. Dark Souls tem tudo aquilo que adoro num videojogo, bom combate, boa exploração, arte muito boa, bom desafio e inimigos bizarros o que aliado ao tema gótico da série fazem um pacote deveras especial.
O balanço necessário de uma sequela é complicado para os criadores. Não destituir o que é uma série e ao mesmo tempo introduzir ou melhorar aspetos menos conseguidos tem-se revelado uma tarefa difícil para alguns jogos. No caso de Dark Souls 2, e após a primeira entrevista em que se viu a palavra acessibilidade e o afastamento da grande mente por detrás do primeiro jogo, Hidekata Miyazaki, o “pânico” foi generalizado. A questão foi rapidamente esclarecida como uma má tradução da entrevista e que o jogo ia ser tão ou mais difícil que o primeiro, mas o “dano” estava feito.

Como tal, a From Software, no primeiro vídeo, viu-se “forçada” a mostrar as várias maneiras como se ia morrer vezes sem conta no jogo. O que podemos dizer para já é o que jogo continua implacável na essência e que é uma sequela digna do nome que carrega.

Dark_Souls_2 review screenshot 1A nossa aventura começa com uma viagem do nosso personagem para o reino de Drangleic. Muito tempo se passou desde o primeiro jogo, e apesar da sequela se passar no mesmo mundo, toda e qualquer réstia e vestígio de Lordran são uma mera lenda. A maldição que marca os habitantes do mundo espalhou-se de uma forma considerável, e sem guardiões dos fogos para os manter acesos será uma questão de tempo até a escuridão se propagar. O reino de Drangleic é uma das nossas últimas esperanças para encontrar uma cura para este pesar que obriga à constante procura por almas para saciar a “fome” dos que estão marcados, evitando assim a insanidade.
Tal como o primeiro jogo somos nós que fazemos a nossa própria história. O jogo prefere mostrar do que dizer, com pequenos diálogos e meras pistas sobre as mais variadas situações que se passam/passaram nos locais por onde passamos, sendo um exemplo disto o tutorial que pode ser completamente ignorado. Dito isto, este é jogo da série que mais diálogo tem, em parte graças ao termo acessibilidade que anteriormente falamos. Grande parte das mecânicas e sistemas de jogo presentes são explicados com bastante detalhe, coisas como souls, melhorar as armas, cooperação online, entre outros, assegurando que o mais básico dos conhecimentos é passado para o jogador para que este se consiga desenvencilhar sem ter que procurar informação noutro lugar, tendo mesmo uma opção de ajuda no menu, carregando no select, para ver exatamente o que significa a informação que nos é mostrada. O melhoramento de armas é um bom exemplo, pois é bastante mais simples uma vez que apenas necessitamos de um tipo de shard, sendo os elementos feitos à parte. Não é perfeito, mas é uma grande salto face ao que tínhamos antes.

Tal como no jogo anterior grande parte dos itens contam uma história e aqui não é diferente. Todos eles têm uma pequena descrição que nos ajuda a perceber e a encaixar o seu papel. A história em si deixa em aberto muito aspetos o que faz com que sejamos nós a preencher o vazio, tal como planeado, porque não existe uma história definitiva, daí as enormes discussões que se geram em torno de todo este universo.

Dark_Souls_2 review screenshot 2A melhor descrição que podemos dar a Dark Souls 2 é ser uma miscelânea de Demon’s Souls e Dark Souls. Esta era a visão de Yui Tanimura, juntar o melhor dos dois mundos e criar algo único. A tentativa foi bem sucedida, e apesar de algumas coisas menos conseguidas o mundo que visitamos é único e interligado.
A melhor analogia que podemos fazer é classificar o jogo como uma árvore. Existe um tronco(Majula), essencial para que a árvore possa existir. À medida que vamos avançando pelos ramos mais pequenos, são abertas mais possibilidades para abrir caminho pelos ramos maiores, mas sempre regressando ao nosso tronco, o nosso ponto de partida. Este design significa que temos sempre um porto seguro para onde voltar, seja para descansar, melhorar as nossas armas, ou mesmo para subirmos de nível, que é apenas possível aqui, sendo esta a razão principal.

A interligação entre às áreas existe, mas tal como a nossa árvore os ramos raramente se tocam, brotando normalmente noutros. Apesar de avançarmos para outras áreas, uma ligação com as anteriores não é, de um modo geral possível, o que significa que a necessidade de atalhos é menor, apesar de estes existirem.
Isto é a consequência de termos desde o início do jogo a possibilidade de fazermos fast travel entre os diversos bonfire, que continuam a atuar como checkpoints. É uma possibilidade bem vinda, mas foi sacrificado algum do design dos níveis, pois os atalhos não são essenciais, levando estes normalmente a segredos ou percursos mais pequenos para os bosses. É portanto um mundo feito de partes, assemelhando-se mais a Demon’s Souls neste aspeto. Os bonfires estão mais juntos entre si, o que me levantou algumas questões, estando mesmo alguns deles à porta de bosses, mas cedo nos apercebemos que a dificuldade entre eles aumentou, seja no tipo de inimigos ou a sua quantidade, não deixando de ser uma linha muito fina entre facilidade de áreas vs. dificuldade das mesmas, que por vezes me parece ultrapassada.

A exploração é muito importante no jogo, e continua um dos seus melhores aspetos. Ir desbravando caminho procurando constantemente segredos ou armadilhas é imensamente gratificante, isto graças ao mundo extremamente bonito e visualmente apelativo que temos. Normalmente tudo o que possamos ver a partir de nosso hub principal de Majula é possível de lá chegar.
Isto leva ao ponto do conteúdo. Não existe melhor palavra para descrever a quantidade deste como imenso. Cheguei a um certo ponto do jogo em que perdi a conta ao número de bosses que já tinha derrotado porque a quantidade já era enorme, mas apesar de encontrarmos as mais diversas e estranhas criaturas, não têm todos as mesma qualidade infelizmente.
O número de áreas é também bastante significativo, sendo que quando pensamos que estamos a chegar perto do final o jogo apresenta outra área, para de seguida o processo se repetir, havendo algumas opcionais que não vão ver na primeira vez.
A consequência disto é que não sentimos que o jogo tenha sido apressado, como aconteceu com o anterior, em que a parte final sofreu com prazos, quer seja pelas áreas menos inspiradas ou pelos problemas que o jogo teve no início.

Dark_Souls_2 review screenshot 3A jogabilidade e o combate continuam a ser peças essenciais neste jogo. O processo de manter tudo o que de bom tinha o anterior foi aqui bastante expandido, graças a novos movimentos e classes de magia. O peso do combate e de como cada ataque conta continuam excelentes, pois sentimos cada golpe desferido pela nossa espada/machado. Os diferentes pesos e classes de armas garantem que haverá pelo menos uma arma que se encaixará nos nossos gostos, tendo sido o movimentos delas expandido para se diferenciar inclusive na mesma classe, resultando numa maior variedade. Variedade que incluí a possibilidade de usar duas armas aos mesmo tempo, podendo combinar ataques com as duas armas simultaneamente, desde que tenhamos as capacidades para o fazer.
Temos um novo atributo para usar nas subidas de níveis denominado de adaptability. Segundo a informação do próprio jogo este determina o quão rápido se executa as mais variadas ações, tais como esquivar, levantar o escudo, beber um item de cura ou mesmo escapar de uma armadilha. Não é imediato o efeito que isto tem mas se investirmos alguns pontos aqui, as ações referidas tornam-se mais fluidas, incluindo aqui o combate, que nos primeiros momentos é algo lento.
Novidade é a opção de podermos realocar todos os pontos dos atributos no nosso personagem, se acharmos que o dano não está a ser eficiente ou simplesmente queiramos experimentar uma coisa diferente, sendo necessário um item para o efeito.

As magias receberam uma especial atenção, pois necessitavam de ser melhoradas para serem mais viáveis. A velocidade de cast está dependente de um nossos atributos e as armas elementais fazem escala com os outros atributos mágicos, ou seja, quando maior for o nosso investimento neles maior será o dano feito pelas armas/magias. Temos uma nova classe de magia para além daquelas que voltam, portanto, temos milagres, pyromancy, ataques mágicos e a nova classe de hexes. Esta última é semelhante à dark magic de Dark Souls Artorias of the Abyss, mas foi significativamente expandida. No geral temos um leque maior de magias para usar e sobretudo mais viáveis, isto para além do típico buff à arma.

Um ponto importante tem a ver com a nossa barra de vida. O resultado da mistura dos dois jogos anteriores é de que à medida que morremos a nossa barra vai ficando cada vez mais curta. Esta pode chegar até aos 50% de vida, o que nos mostra o quão brutal consegue ser o jogo. Existe maneira de aliviar este efeito, através de um item ou ficando humano usando uma human effigy, fazendo esta última recuperar toda a nossa vida.

O outro lado da balança tem a ver com inimigos. Muito cedo nos apercebemos que os movimentos destes são muito erráticos, bastante difíceis de prever, o que resulta muitas vezes em mortes inesperadas devido a não estarmos à espera que aconteça mais nenhum ataque. Isto faz com que seja necessário atenção redobrada, pelo menos quando ainda não temos noção do que são capazes e o jogo nos atira muitas vezes para confrontos em que as quantidades são um problema. A inteligência artificial dos mesmos no geral é boa e fazer o típico andar à roda para o backstab dos jogos anteriores é bem mais complicado, graças ao maior tracking que eles têm nos ataques e por o próprio backstab ser mais difícil de executar, devido a uma janela de oportunidade mais curta.
O trabalho feito nas animações quer dos inimigos quer do jogador é notável, sendo que apenas uma parte se pode considerar assim. Todas as armas tiveram tratamento de captura de movimentos, para que mais realisticamente se pudesse mostrar no jogo como seria empunhar e movimentar durante um ataque, no entanto, ficou perdida a animação de movimento do personagem, pois este dá a sensação de deslizar pelo chão à medida que anda, resultando numa disparidade estranha que chega também à ação de correr, com uma passagem entre os dois movimentos pouco fluida.

A dificuldade contínua semelhante ao título anterior. O jogo torna-se mais difícil o quanto mais desleixados e desatentos estivermos. Qualquer jogador sabe que este jogo recompensa quem seja paciente e que analise muito bem o seu redor. Estamos constantemente a ser emboscados e todo e qualquer inimigo nos consegue derrotar e tudo nos quer ver mortos. Morte essa que virá muitas vezes, mas desde que consigamos alcançar a nossa mancha de sangue onde isso aconteceu, podemos recuperar as nossas souls, mas se assim não for, o jogo mostra uma lição importante, pois muitas vezes se um caminho parece demasiado difícil é porque realmente o é, e ou temos mais atenção ou então podemos sempre tentar outra área. Ainda assim é fácil perceber que o jogo é mais difícil no início, pois apenas temos um item de cura, sim um(Estus Flask). Os restantes têm de ser encontrados durante a campanha, por isso as coisas podem tornar-se bem complicadas muito cedo.

A frustração é enorme por vezes, mas esta dá lugar a um surto de euforia sempre que conseguimos ultrapassar o impossível, palavra que muitas vezes se vão pôr a pensar. É aqui que se resume muitas vezes o jogo, ultrapassar barreiras que deixam de o ser devido ao termos melhorado como jogadores, um viagem de aprendizagem portanto.
Mesmo assim, se houver quem ache que o jogo não tem desafio suficiente pode sempre aumentar a dificuldade, seja por pertencer a um determinado covenant, ou por queimar um item num bonfire, que duplica o dano e vida dos inimigos nessa respetiva área, dando opções se assim o desejarem. Se estiverem no outro lado da barricada, e for demasiado complicado, o jogo deixa de ter inimigos em certas áreas desde que tenham sido mortos um determinado número de vezes, o que se desejarem pode ser revertido, mas em troca de maior dificuldade.

Dark_Souls_2 review screenshot 4Os servidores dedicados dão uma outra vida ao jogo, o que não aconteceu no primeiro. Ver uma mensagem, que serve de ajuda ou mentira, com mais de 600 votações é algo que só aconteceu em Demon’s Souls, e sendo uma parte tão importante da experiência o resultado final é excelente. Muitas marcas de sangue no chão, muitos sinais para co-op e pvp, é assim que deveria ser a experiência do jogo, combinando de uma forma exemplar a campanha a solo com ligações online. Uma novidade no online tem a ver com voice chat, onde através de um anel é possível ter esta funcionalidade.

Uma das partes mais importes desta experiência são os covenants, fações às quais podemos pertencer que nos alinham no tipo de experiência que queremos ter, ou seja, umas mais focadas na vertente de cooperação, outras competitivas com prevalência de duelos e outras ainda mais viradas para proteção de determinadas áreas, tentando assegurar que nenhuma experiência seja igual. Uma pequena nota para mencionar que podemos ser invadidos em qualquer altura, desde que estejamos online, não havendo possibilidade de o evitar, apenas reduzir bastante a probabilidade, independentemente de estarmos um forma humana ou hollow.

Uma das mecânicas que tinha surgido como importante durante todo o processo de desenvolvimento do jogo era a tocha. Foi dito que haveria muitas ocasiões em que teríamos que abdicar da proteção de um escudo para usar uma fonte de luz tal seria a escuridão das áreas. Infelizmente isto não é o caso na maioria das situações. Existem salas onde claramente era intenção que fosse usada uma fonte de luz, mas mudanças feitas à última da hora no motor de jogo não permitiram que isso acontecesse. Foi algo desapontante ver o jogo mostrado durante todos estes meses com um sistema de iluminação muito bom, para no final ter apenas uma mera sombra daquilo que havia sido visto. Ainda é útil em algumas partes, mas são situações muito específicas.
Problemas de performance parecem ter sido a razão de isto ter acontecido, mas uma declaração a dizer que não havia como melhorar a performance devido ao impacto que a iluminação tinha no jogo teria sido a atitude a tomar, para não ter que se lidar com esta situação de nos venderem algo que não existe, sendo que faltará ver como está a versão PC. A questão é que mesmo com a redução de efeitos a performance é muito variável, estando bastantes vezes no limite do aceitável, mas nunca chegando aos níveis de Blighttown de Dark Souls. Um problema que encontrei, e pelo que vi, será apenas nas versões de disco, é que os menus demoram tempo a carregar, portanto, carregando no start para irmos ao nosso inventário resulta num atraso do aparecer do menu, e é aí que ouvimos o disco a ler.

A direção artística continua única e distinta, se bem que um pouco mais conservadora. Não é fácil mascarar que o hardware que está a correr este jogo tem pelos menos 8 anos e como tal a inconsistência do trabalho nas texturas é significativa, pois o resultado pode ir do bom ao mau num instante, resultado numa qualidade visual inconstante. Apesar da iluminação ter sido alvo de um retrocesso, ainda existem alguns níveis com este efeito, se bem que muito reduzido. Acender um bonfire e usar determinados feitiços são um deleite para os olhos com várias partículas pelo ar, mostrando que apesar de tudo o jogo é muito bonito.
Motoi Sakuraba regressa para a banda sonora e contínua a fazer um excelente trabalho. Apesar de ser raro ouvirmos música durante os níveis, os criadores não hesitam, esporadicamente, em usar ruídos enervantes e desconcertantes para jogar com o nosso psicológico, dando um tom de survival horror ao grande vazio.

É difícil comparar o jogo com o seu antecessor, e após mais de 80 horas que passei neste sinto que ainda há muita coisa para descobrir e ver, principalmente devido às novidades do new game +, com novos itens e inimigos. Foram feitas melhorias significativas nos aspetos mais importantes, mas a promessa de algo mais no aspeto técnico e as pequenas falhas e inconsistências que marcam este impedem-no de se superiorizar. Talvez o fardo de ser uma sequela de um dos jogos mais importantes da geração anterior, talvez a familiaridade. Independentemente disso Dark Souls 2 é um excelente jogo e uma compra obrigatória se são fãs da série.

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