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Obrigado Pelos Sorrisos Satoru Iwata

Nunca tive o prazer de conhecer Satoru Iwata, mas isso não impediu que tenha recebido a notícia do seu falecimento com uma tristeza que me surpreendeu.

Nas milhares de horas que passei a jogar, não só vivi inúmeras aventuras sozinho, como as partilhei com amigos e familiares, criando memórias insubstituíveis onde amizades foram reforçadas ou criadas, onde encontrei pontos comuns com estranhos, ou mais recentemente, onde ensinei o meu sobrinho a jogar e a apreciar os jogos que marcaram a minha infância. Sem estas experiências, o que é o mesmo que dizer sem a Nintendo, para melhor ou pior, eu não seria a pessoa que sou hoje. Satoru Iwata teve um enorme papel nisso.

Mais do que um fato e gravata com cifrões nos olhos, Iwata, que começou como um estudante a programar jogos numa calculadora, passou uma grande parte da sua carreira nas trincheiras do desenvolvimento de videojogos, a programar e criar, testar e melhorar. Sem ele, não tínhamos clássicos como o Baloon Fight, Kirby’s Dream Land ou Earthbound; sem ele, no Pokémon Gold & Silver não tínhamos a região de Kanto; e mesmo quando já tinha um cargo elevadíssimo na Nintendo, Iwata passou três semanas a fazer debug ao código de Super Smash Bros Melee para que o jogo conseguisse sair a tempo.
Nos Iwata Asks, Iwata falava com as suas equipas de desenvolvimento e aí a sua paixão pela criação de jogos transbordava e claro, não faltavam [risos].

Sucedendo a Hiroshi Yamauchi, Satoru Iwata foi o primeiro presidente da Nintendo que não pertencia à família Yamauchi e no entanto, mais do que o seu antecessor, era a perfeita personificação de tudo o que a Nintendo representa.
Tanto nos anos de enorme sucesso da Wii e DS, como na presente era da Wii U onde a Nintendo viu prejuízos pela primeira vez, Iwata nunca deixou que a Nintendo perdesse a sua personalidade ou que se tornasse em apenas mais uma empresa que seguia o rumo mais caminhado. A qualidade, originalidade e acessibilidade dos jogos esteve sempre em primeiro plano, mesmo quando os accionistas o pressionavam a fazer despedimentos para cortar custos, Iwata recusou-se a isso (“apenas” os escritórios alemães em GroBostheim foram fechados) dizendo que isso levava a uma quebra no moral das equipas, o que teria impacto nos jogos. Em vez disso, o chefão da Nintendo reduziu o seu salário para metade por duas vezes.

Ao tratar pessoalmente da criação de Dr. Kawashima’s Brain Training (que expandiu os limites do que se considerava um videojogo e foi instrumental no sucesso da DS), ao falar inúmeras vezes sobre os perigos da desvalorização dos videojogos com preços demasiados baixas e em inúmeras outras declarações e acções, o CEO da Nintendo mostrou uma ambição e visão a longo prazo para que os videojogos fossem não só um negócio mais sustentável, mas também uma forma de entertenimento e cultura menos restrita e mais aceite pela sociedade, duas coisas que talvez andem de mão em mão.

Tanto nas suas aparições públicas como em vários testemunhos de quem teve contacto pessoal com ele, Iwata sempre se mostrou uma pessoa humilde e com sentido de humor, nos Nintendo Directs vimo-lo com um chapéu feito de tempura, com o enorme aparelho da Google Maps às costas, como o seu Mii no Tomodachi Life a experimentar um fato de dinossauro ao espelho ou silenciosamente a observar um cacho de bananas que tinha na mão. Iwata apresentou-se tal e qual a empresa que liderava: único, sem pretensões e sempre pronto a fazer-nos sorrir.

Não só a Nintendo, mas toda a indústria dos videojogos e a sua comunidade de fãs perderam um grande líder, pioneiro, criador e acima de tudo, um jogador, mas como Terry Pratchett uma vez disse “ninguém está finalmente morto até que as ondas que causa no mundo morram” e as ondas que Satoru Iwata criou vão-se sentir durante muito, muito tempo.

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