Análises

The Witness

Versão Testada: PS4

A ideia de ter um jogo somente baseado em puzzles não é fácil de vender. Se por um lado pode ser bastante aliciante testar constantemente a nossa perícia em desvendar os mais variados quebra-cabeças, podemos também perguntar como é que se mantém o interesse pelo próximo desafio sem repetir ideias. Podemos começar por apresentar the witness e mencionar que é um jogo de mundo aberto, o que não sendo totalmente a minha interpretação, pode dar uma ideia de grandiosidade que será difícil de ignorar. Continuamos, no entanto, com a mesma questão na cabeça, como manter fresca uma ideia que, no caso, se poderá prolongar por várias horas?

A ideia de Jonathan Blow é sem dúvida tentadora, portanto, vamos atirar o jogador para uma ilha deserta, que tem um determinado número de desafios, e lançando umas quantas dicas, que achamos serem suficientes e explicativas, ver o percurso de cada um neste mundo. Seria fácil rotular o jogo como um simulador de linhas que começam num ponto e acabam noutro, revelando o próximo desafio, ou batendo com a cabeça no mesmo durante horas. No caso, seria ignorar completamente aquilo que foi construído, e sobretudo da maneira como foi construído, pois este jogo, nesse aspeto, é soberbo.

the witness review 1Esperar qualquer tipo de ligação narrativa com o personagem, ou o mundo que nos rodeia, será a última coisa que devem esperar do jogo. Simplesmente não existe qualquer contexto sobre quem somos, e porque acordamos num túnel que nos leva a duas portas que nos ligam a uma ilha enorme com centenas de puzzles. Seremos apenas nós, representados pelo nosso avatar, que por acaso tem um sombra que nos indica que é humano. Ao longo da nossa campanha, e tratando-se de um cenário aberto, somos recompensados, através da exploração, com uns quantos gravadores, que citando algumas personalidades, são a única fonte de diálogo que vamos encontrar, não resultando normalmente nenhum conhecimento prático que nos ajude no jogo, mas apenas um recompensa das nossas caminhadas.

A maior parte do nosso tempo será dedicado ao exercício do nosso cérebro, e também à nossa capacidade de não nos frustrarmos com determinados quebra-cabeças que nos tiram do sério. A resolução da maioria dos puzzles que vão encontrar será baseado em pequenos painéis que encontram espalhados por todo o lado. Os primeiros são bastante simples, envolvendo ligar um ponto A ao ponto B, descobrindo o caminho certo para o efeito. Na pequena área inicial descobrimos que os controlos são bastante simples, com apenas o uso de dois botões para resolver os painéis. À medida que vão completando os mesmos, vão também ligando os que completam aos seguintes, revelando-se uma forma de nos indicar o caminho, isto caso não saibam o que é que uma determinada solução acabou de fazer, quando acabaram de ouvir um som de algo a abrir.

the witness review 2As poucas imagens e vídeos que há do jogo podem dar a impressão que os painéis são o único tipo de desafio que vão encontrar. No final isto acaba por ter um fundo de verdade, uma vez que todas as soluções que querem introduzir serão feitas nos ditos painéis. Se pensaram que seria apenas aí que deveriam procurar as respostas para vos ajudarem estão profundamente enganados. A visão periférica, as coisas que estão à nossa volta, são por vezes tão ou mais importantes do que aquilo que está imediatamente à frente dos nossos olhos.

Vão existir alturas, e não serão poucas diga-se, que vai parecer impossível resolver determinados puzzles, uma vez que muitos deles são bastante complicados. Seja por ainda não terem visto nenhum parecido, ou porque simplesmente não estão a perceber as regras do jogo. Digo regras do jogo pois muitas das soluções que vão encontrar se baseiam nisso, ou seja, determinados padrões que foram aprendidos/exemplificados numa determinada área. É neste ponto, que considero bastante importante, que está uma das falhas dos jogo, portanto, como é que podemos implementar ou descobrir a solução para um problema se não nos explicam convenientemente a base? Será um pouco como na matemática, que nos diz que sem bases, é muito complicado perceber conceitos mais avançados.

the witness review 3Existem pistas espalhadas ao longo da ilha que nos podem indicar um possível caminho a tomar na interpretação dos problemas. A questão é que por vezes, mesmo essas pistas, conseguem a difícil proeza do nos deixar mais confusos. Não havendo mais nada para além dos puzzles para fazermos progresso, é natural nestas alturas, de bloqueio, que se instale alguma frustração.
Estando nós numa ilha deserta e podendo logo após os primeiros minutos de jogo ir a qualquer lugar, essa será, na maioria das vezes a melhor “solução” para o nosso problema, uma vez que podem encontrar alguma área nova, mas sobretudo porque podem encontrar a área que vos pode explicar o método para um puzzle que viram algures.

De facto a exploração torna-se um dos maiores aspetos do jogo a partir do momento em que realmente começamos a ver o que está à nossa volta, mas com olhos de ver.
Muito cedo se vão aperceber que existem paredes invisíveis no mundo, algumas mesmo muito estranhas, não possibilitando a queda em nenhum sítio que aparentemente seria seguro, ou mesmo pela impossibilidade de realizarem qualquer salto. É um aspeto que não parece fazer sentido ao início, mas a melhor dica que se pode dar, é que nenhum sítio/beco sem saída na ilha existe por acaso, daí as minhas sérias dúvidas em classificar o jogo como mundo aberto.

the witness review 4O grande feito que o jogo tem é sem dúvida a ilha onde se passa todo o jogo. Como dito anteriormente a exploração torna-se um aspeto fundamental na resolução de muitos puzzles, e as palas por vezes intencionais que o jogo coloca, são algo que têm de retirar para poderem descobrir que afinal não têm uma ilha com determinados elementos nela. Têm sim um nível gigante, meticulosamente construído, que nos faz indagar muitas vezes como é que é possível, que apenas com uma mudança de perspetiva, o nosso caminho se ilumine. Numa expressão mais popular quase se pode dizer que foi feito à mão, e foi de facto, mas só quando a nossa cabeça consegue compreender determinados elementos que normalmente passam despercebidos, é que vemos o génio de todo o design que está ao nosso redor.

Há medida que vão progredindo, e aprendendo diferentes elementos de puzzles, estes vão ficando progressivamente mais difíceis, incluindo áreas onde se juntam todos os aspetos. O cenário à nossa volta é sem dúvida muito importante e torna-se um factor a ter em conta na resolução de certas áreas. Existem, como seria de esperar, momentos eureka, que no meu caso resultaram de estar preso numa porta pelo menos três dias, pois não estava de todo a perceber o que o jogo queria de mim. Após ter feito e refeito várias vezes o problema na minha cabeça e caderno de apontamentos, desisti, e fui explorar outro sítio. Passados alguns momentos encontrei a área onde o jogo tenta, de maneira algo deficiente como explicado antes, ensinar o puzzle que tanta frustração me tinha dado. Após a conclusão dessa área voltei à porta problemática e consegui resolver o puzzle.
O jogo vive muitos destes momentos, frustração seguida pela satisfação de termos conseguido resolver algo sozinhos. Espera de nós um determinado olho atento que ao início não sugere, tornando-o numa experiência por vezes demasiado restrita.

the witness review 5A nossa ilha sem nome é bastante vistosa. Poderíamos mesmo comparar o aspeto da mesma a algo visto em Zelda Wind Waker, com visuais que misturam o cartoon desse jogo, com outros aspetos mais realistas, podendo inclusive usar um barco para nos deslocar pela costa da ilha. O jogo corre sem mácula a 60fps, e não sendo exigente no tipo de situações que encontramos mantém sempre esta performance. A arte que temos presente realça as diferentes áreas que vamos encontrando pelo caminho, não deixando de por vezes sentir que mudam muito bruscamente para o propósito de ter outra área logo a seguir, não tornando a transição muito uniforme.

O jogo foi feito para ter a menor intrusão possível de outros elementos, sejam eles um hud, ou opções de customização mais avançadas. Sendo louvável por um lado, também quer dizer, por exemplo, que a sensibilidade para mudar a câmara não existe, o que consigo perceber, dada a natureza “investigativa” do jogo, mas a opção seria desejável, uma vez que correr se torna mais complicado do que deveria.
Não existe música no sentido mais tradicional, ou seja, durante o jogo ouvimos apenas aquilo que está à nossa volta, o que sendo importante, uma vez que é um dos elementos dos vários puzzles que temos, não deixa de ser um pouco dececionante tendo em conta os vários sítios que encontramos.

Este jogo resulta da visão muito própria do seu criador, quer para o bem e quer para o mal. Se por um lado temos um esforço enorme em construir algo que nos desafia constantemente, por outro, há determinadas regras a seguir que não são sempre bem explicadas, e levam invariavelmente a enorme frustração. Se temos momentos de euforia quando descobrimos a solução para um determinado puzzle, também há aqueles que quer por dicas dadas ou simplesmente por sorte conseguimos solucionar, não deixando de sentir por vezes alguma estupefação pela solução encontrada. A ideia inicial, apesar de tudo, consegue manter-se relativamente fresca, uma vez que introduz, ao longo do tempo, elementos para diferenciar os puzzles e as suas soluções.

Genial em alguns aspetos, frustrante noutros e sobretudo bastante críptico no maioria dos momentos. É um jogo muito bom, mas é um jogo para todos? Não, de facto é um jogo muito difícil de recomendar, pois exige do jogador uma obsessão por todos os pormenores mais ínfimos que possam estar ao nosso redor. Há muitos segredos para descobrir em The Witness, a questão é se estão dispostos a procurá-los e ao mesmo tempo conseguirem estar a passar um bom tempo com o jogo.

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