Análises

Uncharted 4: A Thief’s End

Problemas durante o desenvolvimento de um jogo é algo bastante frequente. Afinal de contas, muita coisa pode correr mal num projecto que engloba dezenas ou centenas de pessoas durante vários anos. Em alguns casos, essas dificuldades não são superadas e o resultado final é um produto mediano e/ou com bastantes inconsistências. Noutros casos, a produtora soube ultrapassar os obstáculos, e acaba por entregar um título polido e de qualidade.

Como muitos devem saber, Amy Hennig, uma peça importante da Naughty Dog, abandonou a companhia em 2014. Desde então, o projecto esteve a cargo de Neil Druckmann e Bruce Straley, dois veteranos da companhia. Como consequência, o guião de Uncharted 4 sofreu umas quantas alterações e o jogo foi adiado várias vezes.

Não é de estranhar portanto que existisse uma divisão na comunidade de fãs. Ora por um lado, havia quem estivesse céptico para com Uncharted 4 devido a todas as alterações feitas desde 2014, enquanto que no outro lado, estavam aqueles que tinham confiança na Naughty Dog e nos indivíduos que criaram Among Thieves, aquele que é considerado o melhor Uncharted, e The Last of Us, aquele que é considerado um dos melhores jogos da geração passada. Mas afinal, em que categoria se insere Uncharted 4: A Thief’s End?

uncharted 4 home_02_1462361350Algo que foi mencionado algumas vezes pela Naughty Dog foi o desejo de criar um título com um tom um pouco mais realista, mais focado na história e na relação entre personagens, e que fosse a derradeira conclusão da série. Sem revelar muito, até para não estragar a surpresa a quem tanto anseia ver a história em primeira mão, Nathan Drake vive uma vida normal ao lado de Elena. Certo dia, Drake tem uma visita inesperada; o seu irmão, Sam Drake, afinal está vivo, mas está em grandes sarilhos. A única forma de Drake conseguir ajudar Sam é regressar a uma vida que tinha prometido nunca mais voltar, e encontrar o tesouro perdido do capitão Henry Avery.

À primeira vista, a premissa é simples, mas uma análise mais profunda mostra que não é bem assim. Uncharted 1 foi o título que criou o estilo base da série, Uncharted 2 expandiu largamente os conceitos apresentados no primeiro título, e Uncharted 3 serviu mais como uma introspecção. Uncharted 4 é uma extensão de Uncharted 3. Drake é casado com Elena, deixou a vida de ladrão, e tem uma vida perfeitamente normal. A decisão de abandonar uma vida segura para embarcar em mais uma aventura perigosa a um mundo que tinha deixado para trás, é algo que vai trazer consequências com as quais Drake terá de conviver.

É isto que torna a história de Uncharted 4 tão interessante, porque em vez de se limitarem a apresentar mais do mesmo, houve a coragem de criar algo um pouco diferente, mas emocionalmente mais forte. A dualidade que vai na mente de Drake é bastante óbvia e assombra-o durante toda a jornada. Drake ama Elena e gosta de viver ao seu lado, mas a vida que leva é demasiado aborrecida. Drake tem de salvar o seu irmão, e para isso, mente à mulher que ama. Tudo isto vai ter consequência, e no processo, vamos ver o Drake mais frágil de sempre.

uncharted 4 sco_08_1462361344Os próprios vilões reflectem o diferente tom do jogo. Em vez de simplesmente quererem poder, eles também têm as suas motivações. Rafe é um menino rico que tem a mania que é melhor que os outros, e fará de tudo para deixar a sua marca na história. Nadine é chefe de uma companhia de mercenários, e precisa que este trabalho dê resultados, de forma a conseguir recuperar a credibilidade perdida em trabalhos passados. Rafe e Nadine não são boas pessoas, mas ao menos apresentam razões para o que fazem.

Como consequência de um estilo mais realista e sério, os set pieces são mais espaçados entre si e são também menos espalhafatosos. Não existe nada tão longo como a secção do comboio do Uncharted 2 nem algo tão “hollywoodesco” como a secção do avião do Uncharted 3. Em contrapartida, os set pieces têm mais impacto na história e um maior contexto com o que está a acontecer em determinado local. Na prática, não foi perdida nenhuma da identidade característica da série e os set pieces continuam espetaculares de se verem. Simplesmente têm menos foco em explosões e destruição, e mais nas personagens.

A campanha de Uncharted 4 é de longe a maior da série, tendo demorado perto de 16 horas até ver os créditos finais. O jogo não é open world e mantém uma estrutura linear, em que o objectivo ainda continua a ser ir do ponto “A” ao ponto “B”. A grande diferença é que as áreas são maiores, permitindo alguma exploração. Aliás, o design dos níveis é exemplar, porque é possível navegar por uma área grande e explorar tudo em busca de tesouros ou documentos sem que isso quebre o ritmo de jogo, e sem que o jogador perca de vista o objectivo de história. Não existem mapas nem marcadores no ecrã a indicar para onde ir, e o jogador nunca perde a referência de onde está nem do que tem de fazer a seguir, nem mesmo quando está a explorar uma área de carro ou de barco.

Os combates também beneficiam com isto, porque torna-se possível abordar estas situações de várias formas. Podem utilizar a vegetação e tentar passar uma secção inteira usando puramente um estilo stealth, podem usar o estilo tipicamente cover shooter, podem utilizar um estilo mais móvel passando de cover para cover e andando pelo cenário conforme for necessário, ou podem simplesmente usar um misto de vários estilos. As ferramentas existentes e o nível design permitem que o jogador seja criativo na hora de ultrapassar os obstáculos, e oferece uma variedade que os títulos anteriores da série não conseguiram oferecer.

O sistema de stealth em particular levou umas quantas melhorias, e nota-se que houve uma influência vinda de The Last of Us. É possível marcar os alvos, e os inimigos vão investigar coisas suspeitas. Se forem descobertos, podem tentar matar os inimigos que estejam mais perto de vocês e voltar a um estilo mais stealth. No entanto, os inimigos restantes vão entrar em modo alerta e vão patrulhar agressivamente a área. De salientar que os vários níveis de dificuldade têm impacto no tipo de inimigos existentes em cada área e na sua esperteza, daí que seja importante saber escolher quando se deve ser mais furtivo ou quando se pode andar a disparar à maluca nas dificuldades hard e crushing.

O sistema de cover também foi melhorado e está agora mais responsivo. Passar de cover para cover é simples e intuitivo, graças a um controlo mais preciso de Drake. Uma novidade prende-se com a destruição de certas covers. Por exemplo, protegerem-se atrás de uma caixa de madeira pode não ser o mais indicado, porque a caixa eventualmente irá ser destruída pelos tiros dos inimigos. O cenário envolvente aos tiroteios também reage ao que se passa, sendo visível os buracos das balas nas paredes, sacos de farinha que lentamente vão perdendo o seu conteúdo, ou azulejos despedaçados no chão. Estes são alguns exemplos dos detalhes colocados nos cenários para tornar tudo mais credível.

uncharted 4 sco_05_1462361346De facto, a atenção aos detalhes foi levada ao extremo e tudo existe com um propósito. Os gráficos são do melhor existente na PlayStation 4, e elevam a fasquia a um outro patamar. Ao longo da campanha, foram muitas as vezes em que fiquei boquiaberto com a qualidade visual do cenário, ainda para mais, porque não notei qualquer quebra de fluidez durante o meu tempo com o jogo. E o fantástico sistema de iluminação realça ainda mais todo o trabalho investido na criação deste showcase técnico.

A qualidade de modelação das personagens também está espantosa, e todas apresentam um alto nível de detalhe, destacando as expressões faciais. Mas quem beneficiou mais com a passagem para um estilo mais realista foi Elena, muito por muito porque no Uncharted 3 foi uma personagem onde o estilo mais cartonesco estava bem vincado.

Obviamente que a credibilidade das personagens está fortemente dependente dos actores, mas até aqui, o trabalho é de grande qualidade. Aos regressos de Nolan North (Nathan Drake), Emily Rose (Elena) e Richard McGonagle (Sully), juntam-se os actores bem conhecidos Troy Baker (Sam Drake) e Laura Bailey (Nadine), enquanto que Warren Kole (Rafe) faz a sua estreia em vídeo jogos. Este grande leque de actores fazem com que as falas e as acções sejam credíveis e sentidas. A localização em português é competente, mas os actores originais são de longe a melhor forma de experienciar a história e as emoções transmitidas.

uncharted 4 ope_01_1462361346Depois de completada a campanha e de apanhados todos os coleccionaveis, que agora podem ser usados para desbloquear extras como filtros de imagens e outras funcionalidades opcionais, podem aventurar-se pelo modo multiplayer. De regresso estão os modos clássicos Team Deathmatch e Plunder. Uma das novidades é a existência do modo Ranked Team Deathmatch. Neste modo, após obterem um determinado numero de pontos, os jogadores vão poder entrar em partidas de qualificação, de forma a receberem um rank e terem partidas contra outros jogadores do mesmo nível. Command também é um modo novo, em que o objectivo consiste em capturar certas zonas do mapa para um constante fluxo de pontos ou matar os capitães inimigos para um grande bónus de pontos.

Outra novidade é o modo chamado Trials. Neste modo, os jogadores vão enfrentar NPCs com o objectivo de atingir uma pontuação alta, utilizando mecânicas multiplayer específicas. Cada um dos desafios terão diferentes níveis de dificuldade e irão dar Relics como recompensa.

Ao contrário dos anteriores Uncharted, não haverá uma progressão à base de níveis. Em vez disso, podem utilizar loadouts pré-definidos ou criar os vossos próprios loadouts. Para isso, têm um número máximo de pontos para utilizar, o que significa que terão de escolher bem que armas usar e que habilidades de suporte escolher. A personalização existente aqui é bastante profunda, e permite um grande numero de combinações diferentes. Se jogaram The Last of Us, então, vão apanhar rapidamente como este sistema funciona.

Os Medal Kickbacks de Uncharted 3 estão de regresso, mas com algumas alterações. Chamados de Mysticals, estas habilidades especiais podem ser compradas ao longo da partida com o dinheiro que obtêm com cada kill ou assist. Por cada uso, o preço da habilidade vai aumentar progressivamente. Desta forma, o uso deste tipo de habilidades ao longo das partidas não será exagerado, a ponto de tornar tudo demasiado caótico. Quer dizer, caos existe, mas é um caos controlado, onde as partidas se tornam dinâmicas graças a tudo o que está a acontecer.

Por cada vitória e por cada desafio diário completado irão receber Relics, uma moeda virtual que pode ser usada nas arcas para obter personagens, novos fatos, e outros acessórios cosméticos. O item que recebem das armas é aleatório, mas ao menos, não dá coisas repetidas.

Como forma negativa há que mencionar a falta de um modo cooperativo. Uncharted 2 e Uncharted 3 tinham modos cooperativos, destacando o modo Co-op Arena, algo semelhante a um horde mode. Embora se saiba que Uncharted 4 vai receber gratuitamente modos adicionais, incluindo um modo cooperativo, é uma pena que um modo tão bom e popular não esteja presente no lançamento.

De referir que, ao contrário da campanha que corre a 30fps em 1080p, o modo multiplayer corre a 60 fps em 900p. Pode parecer um pouco estranho, mas com isto, a Naughty Dog tentou agradar a todos; o single player tem um foco maior na qualidade gráfica, enquanto que o multiplayer tem um maior foco na fluidez.

uncharted 4 2015_11_28_U4_MP_BETA_02_1462361305Durante a ultima semana, vi por essa net fora muita gente curiosa em saber se Uncharted 4 iria tornar-se no melhor título da serie ou se iria conseguir igualar a qualidade de The Last of Us. Mas na verdade, isso não é assim tão importante. É Uncharted 4 uma boa conclusão da série? Esta é que é a pergunta que realmente importa. E a resposta a esta pergunta é um inequívoco “sim”.

Uncharted 4 consegue ter uma abordagem um pouco mais madura, sem nunca perder o charme que tornou a serie conhecida, e proporciona uma verdadeira conclusão à história destas personagens que conhecemos há 10 anos. Muito simplesmente, Uncharted 4 é provavelmente o melhor exclusivo PlayStation 4 lançado até agora, e é sem dúvida um dos melhores jogos da actual geração de consolas.

 

Nota editorial: Foi-nos fornecida uma cópia deste jogo pela editora/distribuidora para efeitos de análise.

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