Análises

The Legend of Zelda: Breath of the Wild

De cortar a respiração.

Versão testada: Nintendo Switch

Agora que os videojogos têm gráficos com milhões de polígonos e efeitos visuais incríveis, os criadores podem simplesmente mostrar-nos o mundo e personagens que imaginaram, mas quando eram apenas uns pixéis num ecrã, pouco mais tínhamos que manuais de instrução e a nossa imaginação para dar vida às nossas aventuras e contar as nossas histórias.

Jogar The Legend of Zelda na NES não era controlar um bonequinho num mundo feito de quadrados coloridos, era partir na demanda de uma vida para explorar cavernas repletas de monstros e armadilhas, florestas encantadas e escalar montanhas vertiginosas. Com apenas um mapa nas mãos, eramos nós e o mundo e estava na altura de nos fazermos à aventura.

A saga evoluiu, assim como os videojogos e a maneira como eles nos deixam explorar mundos. Enquanto que agora já temos muito jogos a levar-nos em missões fantásticas por continentes enormes com a promessa de liberdade total, The Legend of Zelda demorou a voltar a esse conceito e a adoptar o estilo open world 3D como o conhecemos hoje.

The Legend of Zelda: Breath of the Wild é finalmente o Zelda a três dimensões que nos larga num sítio e diz “desenrasca-te e faz-te à vida”. Sem uma ordem ou maneira certa de fazer as coisas, rapidamente estamos livres para explorar a gigantesca terra de Hyrule e fazer o que nos der na gana.
Então, o que é que torna este jogo especial e o que é que faz que outros jogos de aventura open-world não tenham já feito?

Um nível sem início ou fim

De facto, criar um mapa gigantesco torna a tarefa de o fazer interessante muito difícil e retirar qualquer linearidade ao jogo é um obstáculo gigantesco à lógica por detrás da progressão que tem sido prevalente desde A Link to the Past e que começou a ser reformulada na 3DS com A Link Between Worlds.
Se no último Zelda a três dimensões vimos a Nintendo a desenhar grande parte do mundo exterior como um nível repleto de coisas para fazer, como seguir disso para algo exponencialmente maior?

A viagem por um mundo aberto por norma exige pouco ou nenhum planeamento e atenção ao caminho, basta seguir as setas e pintinhas no mapa e matar ou fugir de uns inimigos. Já a exploração raramente passa de tropeçar nalguma coisa e os locais por onde passamos são pouco mais que cenário que temos que trilhar ou uma caixa para despejar conteúdo. Entra Breath of the Wild.

Em vez ser criado como local de passagem, o mapa foi feito como um nível a ser conquistado, mas com os devidos momentos para respirar no silêncio de uma longa viagem.
Os terrenos e obstáculos foram desenhados de forma minuciosa para que estes criem problemas que não fiquem fora de sítio na Natureza, mas que permitam uma série de resoluções diferentes.

Isto é possível não só por causa do desenho de níveis dolorosamente detalhado e equilibrado, mas porque no centro do jogo está um sistema de física e de acção-reacção surpreendentemente robusto. O mundo e os seus habitantes comportam-se de uma maneira realista (dentro do contexto de um jogo de fantasia cujo protagonista consegue escalar praticamente tudo, mesmo que não tenha onde se agarrar), permitindo aos jogadores seguir várias linhas de raciocíno.

O Link faz-se acompanhar sempre do Sheikah Slate, uma espécie de tablet com o poder de criar bombas, pilares de gelo na água, manipular materiais de metal no ar e para alguns objectos no tempo. Sendo estas habilidades limitadas apenas pelos poucos segundos que temos que esperar para voltar a usá-las, é escusado dizer que são uma maneira excelente de interagir com o que nos rodeia.
Podemos levitar portões de metal para fazer pontes, tirar baús da água congelando a água por baixo deles ou usar um pedregulho como método de transporte aéreo. É só pará-lo no tempo, bater-lhe como se não houvesse amanhã e subir para cima dele, quando o tempo voltar ao normal, a energia que a pedra acumulou dos nossos impactos vai-se libertar e o rochedo, juntamente connosco, é projectado a alta velocidade. Não deve ser muito seguro e a ciência por detrás disto talvez não faça total sentido, mas é daquelas coisas que eu nunca soube que sempre quis fazer num jogo.

A quantidade de maneiras que podemos abordar um problema é estonteante, uma simples macieira dá um bom exemplo. Para fazer as maçãs cair podemos acertar-lhes com flechas, atirar uma arma, mandar rajadas de vento com a Deku Leaf (uma folha gigante) ou bater no tronco com uma arma romba para abanar a árvore. Também há a opção de trepá-la, mandá-la abaixo para aproveitar a lenha ou empurrar o tronco até ao rio para fazer uma ponte. Se não tivermos uma arma para isso, podemos sempre usar bombas, com sorte até começa um fogo e as maçãs ficam logo assadas. Aproveitamos e usamos o nosso paraglider para pairar sobre o ar aquecido pelas chamas fazendo-nos ganhar altitude, uma boleia bem porreira que nos vai deixar entrar de surpresa naquele acampamento inimigo e cair do céu em câmera lenta enquanto distribuímos headshots com o arco e aterramos em segurança.

Tempo de preparação

Tal como na vida real, em Breath of the Wild devemos seguir o exemplo do Batman e prepararmo-nos adequadamente. Já não há coraçõezinhos dentro de vasos ou na relva, por isso a única maneira de recuperar vida é com poções ou comida, que às vezes podemos comprar ou receber, mas por norma temos que cozinhar nós próprios. Pelo mundo fora vamos recolhendo ingredientes e partes de monstros que depois podemos juntar num tacho para fazer vários elixires e refeições dignas de um chef com duas estrelas Michelin.

Comer serve não só para recuperar vida e stamina que gastamos a trepar, correr, nadar e pairar, mas também para as aumentar temporariamente e usufruir de uma data de efeitos indispensáveis. Uns pimentos podem ajudar a dar um picante à carne do javali que caçámos para nos proteger do frio da montanha durante uns minutos e uma poção para andar mais rápido é perfeita para aquelas caminhadas mais longas ou escaladas onde a nossa energia talvez não chegue sem um suplemento 100% natural.

Todas as armas e escudos partem-se com o uso, por isso é preciso usá-los com alguma contenção e encontrar mais onde quer que possamos, quer sejam escudos de madeira e osso ou uma espada mágica gigante que estava num baú de tesouro. Com limite de equipamento que se podem carregar, não podemos apenas pegar em tudo que nos aparece a frente, isto tiraria efeito à mecânica de durabilidade uma vez que teríamos demasiadas armas.
Apesar de haver limite do número de itens que podemos carregar, é um limite simpático, não há grandes dores de cabeça de horas passadas a gerir o inventório visto que equipamento temporário não dá aquela vontade de guardar tudo.

Se não nos prepararmos adequadamente ou formos surpreendidos, há que olhar para o McGyver e improvisar, como atirar uma espada para o meio de um grupo de inimigos que esteja nas alturas numa tempestade para que o metal atraia um trovão e os frite a todos. Depois é uma questão de tentar apanhar um pedaço resguardado da montanha onde não chova para fazer uma fogueira, sair do frio, grelhar uns bifes e dormir até passar a tempestade. Vida de escuteiro.

 Vês aquela montanha? Podes morrer a tentar lá chegar.

Ao contrário do Skyward Sword, onde que bebíamos as poções enquanto nos mexíamos, evitando paragens e adicionando um grau de dificuldade ao combate, aqui podemos parar em qualquer momento para comer e beber o que quisermos. Apesar de isto ser um retrocesso, a dificuldade e dano que levamos está ajustada a isto uma vez que há imensos inimigos que facilmente nos matam com um golpe ou perto disso, é altamente provável que morras muitas vezes se não te preparares adequadamente ou tiveres perícia. Breath of the Wild é sem sombra de dúvida o Zelda 3D mais difícil de todos, mesmo com liberdade total que faz com que a dificuldade seja também muito dependente do trajecto de cada um.

O combate está substancialmente diferente agora que podemos usar qualquer arma e que temos diferentes roupas e armaduras. Continuamos a poder fazer lock-on para nos centrarmos nos inimigos, o que nos ajuda a esquivar na altura certa para poder desferir uma data de golpes em câmera lenta. O facto de nos estarmos a esquivar não quer dizer que estejamos invencíveis durante instantes como é o caso muitas vezes e a detecção de colisão é bastante exacta, ou seja, se a arma nos acerta levamos dano mesmo que nos estejamos a esquivar, mas também nos podemos safar por milímetros.

Apesar de terem havido algumas simplificações nos ataques “básicos”, tudo o resto é mais complexo uma vez que vários tipos de armas significam vários tipos de luta. Uma espada pequena pode dar menos dano que uma gigantesca, mas é mais rápida e deixa-nos usar o escudo na outra mão, já um martelo é capaz de ser mais adequado para inimigos feitos de pedra e uma lança é excelente para usar enquanto estamos a cavalo. Saber os ataques e vantagens de cada tipo de arma é essencial, assim como ter timing para deflectir e esquivar dos ataques inimigos.

Além de agora também termos de nos preocupar com a stamina, temperatura, durabilidade das armas, hora do dia, tempo, vida selvagem e com o próprio terreno, claro que têm que haver quebra-cabeças e masmorras ao bom estilo Zelda. Escondidos pelo mundo estão mais de cem altares com diversos desafios menos relacionados com natureza e mais com utilização de itens, habilidades ou combate, até porque nestas mini-masmorras, as paredes são impossíveis de trepar. De puzzles simples e rápidos a situações mais complexas, há um espectro enorme de enigmas e dificuldade para explorar as mecânicas de jogo de outra maneira e oferecer uma experiência de masmorra Zelda mais clássica. Além disso ainda há as quatro masmorras principais, com layouts e mecânicas brilhantemente estonteantes, prontas para fazer coçar umas cabeças.

O chamamento da natureza

É difícil não ficar apaixonado pela natureza de Breath of the Wild, raposas assustadiças fogem por entre a relva alta que abana ao vento, javalis andam pelos bosques a apanhar bolotas do chão no meio das folhas que caem das árvores, tempestades de neve nas montanhas tapam-nos a visão e uma chuvada imprevisível é o suficiente para estragar os planos de escalar uma montanha, mas raios se não é bonito ver a chuva a cair.

É complicado elogiar demais a direcção artística de Breath of the Wild, que parece um filme do estúdio Ghibli feito pela Nintendo. Até as personagens mais irrelevantes estão bem desenhadas e repletas de pequenos pormenores que os caracterizam, há cor, vida e movimento em todo o lado e os efeitos e animações casam-se perfeitamente para nos mostrar locais deslumbrantes.

 

Apontando para os 30 frames por segundo, o jogo tem quebras com alguma regularidade (aparentemente menos comum em modo portátil na Switch) em zonas mais densas e obviamente também não se livra do pop-up uma vez que escalamos muito alto e praticamente voamos, é fácil ver que muitos detalhes só aparecem mais perto. Mesmo assim, é incrível como conseguiram fazer um jogo tão grande e graficamente impressionante correr numa Wii U e transferir isso para a minúscula Switch, especialmente quando apenas há loadings (rápidos) ao entrar no mundo, entrar numa mini-masmorra ou fazer teleporte.

De vulcões a selvas, ravinas a desertos, existem os tipos de paisagens e locais que se podem esperar, mas que nunca foram tão convidativos ou envolventes como agora, também graças ao brilhante trabalho de efeitos sonoros. A natureza está cheia de pequenos barulhinhos: o assobiar do vento que faz abanar as folhas, os ramos a cair das árvores, o som do rio lá ao fundo enquanto pisamos terra molhada; a decisão de não haver música a tocar sempre torna-se especialmente brilhante ao ouvir o silêncio da natureza.

São as notas que não tocas

A banda-sonora por defeito pode ser a natureza, mas de acordo com a situação, surge música de uma maneira genialmente fluída, o estilo minimalista e impressionista de muitas das músicas permite que estas apareçam lenta e gradual e dinamicamente. Aproximando-nos do Temple of Time por exemplo, começamos a ouvir baixinho algumas notas de piano a ser tocadas, ao chegar mais perto e ouvir com atenção conseguimos discernir uma versão melancólica da música do templo que ouvimos no Ocarina of Time. A Nintendo não é nova a criar bandas-sonoras dinâmicas, mas desta vez o resultado foi espetacular, não só pela implementação e composições lindíssimas, mas porque encaixam perfeitamente com o tema de natureza e solidão.

Isto não quer dizer que não haja uma mão cheia de peças orquestradas épicas, músicas leves para os momentos mais parvos e temas nas aldeias que nos vão ficar na cabeça durante muito tempo. Tal como todos os outros aspectos do jogo, há imensa variedade.

Pela primeira vez na história da saga, os vídeos principais têm vozes, apesar do Link continuar (felizmente) sem falar e da maior parte dos diálogos serem apenas em texto acompanhado pelos típicos e icónicos trechos de voz. Com duas excepções mais irritantes, as vozes são geralmente boas, destacando-se das outras a voz da Princesa Zelda, a actriz fez um excelente trabalho em transmitir as emoções da personagem.

O que interessa é a viagem

Em linhas gerais, a história é simples como de costume, mas apresentada de uma forma mais críptica que o habitual, cabendo-nos a nós recuperar as memórias do Link para descortinar o passado e aprender mais sobre as personagens. Como habitual, não é o fim que interessa, mas sim tudo o que leva até lá e que não é dito, isto para não mencionar a posição do jogo na cronologia da saga.

Felizmente, o facto de haver toneladas de personagens menores não as tornou genéricas, o típico charme e humor Nintendo continua nos diálogos e designs, como a rapariga que arrasta constantemente a irmã para o perigo para apanhar trufas ou o velhote viciado em cogumelos que dão velocidade. Todas as personagens têm os seus horários e rotas definidas, não é o Majora’s Mask (o que seria um pedido impossível tendo em conta o tamanho do jogo e número de personagens), mas ajuda muito a tornar a vida em Hyrule credível.

Apesar de haver algumas missões em que temos que apanhar dez disto ou daquilo, são poucas e geralmente servem para pouco mais do que ter personagens que nos trocam certos materiais por outros ou dinheiro, grande parte das missões são interessantes, divertidas e bem desenhadas, o que é ajudado pelo facto de que praticamente tudo o que possamos fazer gira à volta da interacção com o mundo, o que com as excelentes bases e mecânicas do jogo, tornam qualquer tarefa num baú de possibilidades e qualquer viagem, a hipótese de criarmos as nossas próprias histórias.

A aventura de uma vida

Reinventando a série, o jogo mantém-se fiel ao espírito de aventura de The Legend of Zelda, conseguindo evitar os típicos problemas de jogos open world graças à minúcia e mestria com que foi desenhado, o fenomenal sistema de física e atenção ao detalhe deixa-nos brincar e experimentar com tudo, agora todo o mundo pode ser um quebra-cabeças ou o nosso parque de diversões.

Desde que era pequeno e pintava com a imaginação entre os pixéis para dar vida às minhas demandas pixelizadas, até ler livros para escolher a minha própria aventura e mais tarde os épicos de Tolkien e histórias de sword and sorcery de Robert E. Howard, na minha mente sempre houve um jogo e uma aventura de sonho. The Legend of Zelda: Breath of the Wild é esse jogo e mais, é sem dúvida, o melhor jogo que alguma vez joguei.

 

Nota editorial: Foi-nos fornecida uma cópia deste jogo pela editora/distribuidora para efeitos de análise.

Veredito

Nota Final - 10

10

Desde que era pequeno e pintava com a imaginação entre os pixéis para dar vida às minhas demandas pixelizadas, até ler livros para escolher a minha própria aventura e mais tarde os épicos de Tolkien e histórias de sword and sorcery de Robert E. Howard, na minha mente sempre houve um jogo e uma aventura de sonho. The Legend of Zelda: Breath of the Wild é esse jogo e mais, é sem dúvida, o melhor jogo que alguma vez joguei.

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