Análises

Kingdom Come: Deliverance

De regresso à Idade Média

Versão testada: PlayStation 4 Pro

Confesso que não segui muito de perto o desenvolvimento deste jogo. Li uma ou outra entrevista e vi alguns trailers, em particular os mais recentes, mas nada de especial. Como tal, entrei neste mundo sem noções pré-definidas do que o jogo é ou tenta ser, mas curioso para saber que surpresas estariam reservadas para mim. Mas rapidamente o jogo faz questão de me mostrar que é impiedoso; a dificuldade e os desafios vão muito além das batalhas.

Kingdom Come: Deliverance não é um simples RPG. Sim, é um RPG, mas um com um enorme foco na sobrevivência. É necessário comer, dormir, curar as feridas para recuperar a vida toda, os combates deixam marcas no nosso corpo que podem influenciar o nosso desempenho ou ate causar morte, se não forem tratadas a tempo, e as nossas acções têm verdadeiro impacto no mundo. Este nível de simulação condiz com a filosofia geral que a produtora independente Warhorse Studios implementou no jogo.

Kingdom Come: Deliverance deixa de lado a fantasia, o sobrenatural e os clichés da época medieval, e não perde tempo em provar o quão difícil era a vida na Idade Média. O romantismo incorporado na grande maioria das obras que retratam esta época desaparece, dando lugar a uma história que consegue transmitir com sucesso a injustiça presente numa altura onde a esperança de vida andava nos 45 anos, se tudo corresse bem.

Situada numa zona não muito explorada pelos meios de entretenimento, Kingdom Come: Deliverance tem palco de fundo Bóemia, no ano de 1403, quando um surto de violência é desencadeado devido à invasão de Sigismund, que quer conquistar as terras ao Rei Wenceslaus IV, seu irmão e rei legítimo. Nós seguimos os passos de Henry, o ingénuo filho de um ferreiro, que vê a sua aldeia, Skalitz, ser invadida e dizimada pelo exército de Sigismund. Ao encarar tal força e destruição, a única coisa que Henry pode fazer é fugir, para um dia poder vingar a morte dos seus pais e amigos.

Ultrapassada a parte introdutória, Kingdom Come: Deliverance não perde muito tempo a mostrar a sua grande ambição. O Reino de Boémia é vasto, dando liberdade para explorar as áreas livremente, fazer as missões da campanha ou uma das muitas missões e actividades opcionais incluídas. Apesar de não ter qualquer elemento fantasioso ou sobrenatural, existe muito para fazer, e no geral, a qualidade e o nível de detalhe colocado na criação do mundo surpreendeu-me. A formação e design de Boémia apresenta um aspecto muito orgânico e natural, o que ajuda imenso à imersão neste mundo.

As quests são algo fundamental em qualquer RPG, e felizmente, a Warhorse teve bastante atenção a este elemento. Existe uma grande variedade de missões, umas mais complexas que outras e com diferentes formas de as completar, variando de simples missões que envolvem matar bandidos, a missões longas e divididas em vários passos. Inclusive, também existem missões com tempo limite. Por exemplo, se receberem uma missão cujo objectivo é arranjar medicamentos para curar uma pessoa e forem fazer outras quests, é provável que essa pessoa acabe por morrer antes de conseguirem entregar o medicamento.

As mecânicas implementadas em Kingdom Come: Deliverance visam reiterar o desejo do estúdio em transmitir realismo e exactidão histórica. Por exemplo, é preciso aprender a ler antes de conseguir ler um livro de alquimia, e a aparência dita como as pessoas vão reagir à nossa presença. Inclusive, bandidos mais fracos podem fugir de medo assim que colocam a vista na nossa espada cheia de sangue. O sistema de gravação é só mais um pormenor a dar força à visão do estúdio. Para gravar o progresso, podemos dormir, visitar um balneário ou usar uma bebida especial, chamada Saviour Schnapps.

Eu não sou grande fã de sistemas de combate corpo a corpo na primeira pessoa, porque tendem a não conseguir transmitir bem a sensação de movimento e profundidade. E não é Kingdom Come: Deliverance que não vai mudar a minha opinião. Dito isto, o sistema de combate aqui presente é competente e, tal como o resto do jogo, é focado no realismo. Henry é um novato no uso de espadas, sendo necessário primeiro aprender a combater. Com treino, vamos desbloqueando progressivamente habilidades que nos ajudarão na movimentação, defesa e ataque. Estas habilidades não nos tornam invencíveis, mas dão-nos mais hipóteses de sair vitoriosos das situações mais complicadas.

Os duelos em si têm um ritmo lento, requerem paciência e não perdoam os erros. A curva de aprendizagem é alta, mas com perseverança e hábito, tornam-se mais acessíveis. Tudo tem importância na hora de combater, seja a qualidade da nossa arma e da nossa armadura, que tipo de arma usamos e que habilidades já aprendemos, e também contra quantos inimigos combatemos em simultâneo. Além disso, há que ter em atenção à pose dos adversários, saber aproveitar as aberturas para contra-atacar, e conseguir gerir a stamina. Tudo isto dita as nossas hipóteses de vitória.

A nível técnico, Kingdom Come: Deliverance é inconsistente, andando entre o bom e o péssimo. O mundo em si é belo, as florestas são densas e ricas em detalhe, e o design das aldeias e materiais evoca bem a época medieval. E não posso deixar de destacar o sistema de iluminação incorporado neste jogo, pois é de grande qualidade. Ao contrário de outros jogos, a noite neste título é mesmo noite, escura, e com visibilidade reduzida. A noite tanto pode ser a nossa aliada, caso queiramos atacar alguém sorrateiramente, como pode ser a nossa perdição. As personagens principais e grande parte dos NPCs também é decente a nível de detalhe.

Já a nível de performance, a coisa não é tão famosa. Além de uma frame rate inconsistente, com quebras de fluidez frequentes, existe também pop-in notório, texturas que demoram imenso tempo a carregar ou nem carregam de todo, tempos de loading altos, e mais alguns pequenos problemas visuais. Além disso, o jogo tem demasiados bugs relacionados com animações, objectos do mundo e passos nas quests, o que associado ao sistema de gravação, pode causar perda de progresso de jogo, já que os pontos de gravação são espaçados. Devido a bugs que aconteceram de forma aleatória, perdi progresso duas vezes, o que tornou a experiência frustrante.

Kingdom Come: Deliverance é um mau jogo? Não, mas a resposta é um pouco mais complexa do que um simples “sim” ou “não”. O jogo oferece um mundo e personagens bem mais interessantes do que antecipava, e apresenta com sucesso algumas ideias únicas. Contudo, é um jogo com problemas técnicos notórios e demasiados bugs, que têm impacto na experiência geral de jogo. A produtora Warhorse já disse estar atenta ao feedback, e é provável que alguns dos problemas venham a ser corrigidos ao longo do tempo, através de actualizações. No estado actual em que está, Kingdom Come: Deliverance é um diamante em bruto.

Nota editorial: Cópia fornecida pela editora para efeitos de análise.

Veredito

Nota Final - 7

7

Kingdom Come: Deliverance é um RPG complexo e profundo, que apresenta algumas ideias muito interessantes e uma representação mais realista da Idade Média. Contudo, peca por ter demasiados problemas técnicos e bugs, que têm impacto negativo na experiência de jogo.

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