Análises

The Last of Us Part II

Uma aventura inesquecível.

Versão testada: PlayStation 4 Pro

Estes últimos meses que antecederam o lançamento de The Last of Us Part II não foram particularmente fáceis para a Naughty Dog nem para os fãs do primeiro jogo. Depois de mais um adiamento, o jogo sofreu uma enorme fuga de informação. Como acontece com tudo o que é popular em entretenimento, os trolls por essa internet fora aproveitaram-se da situação para tentar estragar a experiência de quem aguardava ansiosamente por este título, e alguns indivíduos com visões retrógradas também tentaram aproveitar-se para espalhar a sua agenda repugnante e incentivar o assédio aos produtores. Mas depois da tempestade, vem a bonança, e agora que estamos perto do lançamento, posso dizer com confiança que vão ter muitas surpresas, mesmo se acharem que foram spoilados.

The Last of Us Part II decorre cinco anos após o final do primeiro jogo. Ellie e Joel vivem em paz na cidade de Jackson, em Wyoming, onde todos os seus habitantes contribuem para que a cidade prospere. É graças a esse contributo geral que Jackson tem algumas das comodidades que existiam antes do início do surto, como electricidade ou um sistema de esgotos funcional, permitindo assim que os seus habitantes tenham uma vida o mais normal possível. Essa normalidade também é mantida graças a um patrulhamento regular na área circundante à cidade. Porém, certo dia, as coisas tomam um rumo inesperado e um evento traumático catapulta Ellie para uma jornada até Seattle em busca de vingança.

A história de The Last of Us Part II é sobre vingança, mas também sobre redenção. É uma história sem heróis ou vilões, em que, por vezes, actos egoistas têm impacto negativo na vida de quem os rodeia. E esta jornada sangrenta vai ter impacto na Ellie, tanto fisicamente como emocionalmente. Algumas das fugas de informação estão correctas, outras nem por isso, e muitas outras são pura fabricação, mas mesmo com spoilers, esta é uma jornada única, que merece ser experiênciada do início ao fim com total contexto. Os temas aqui presentes são diferentes dos do primeiro jogo, e no entanto, tudo encaixa perfeitamente neste mundo destruído e no que já tinha sido pré-estabelecido no título anterior. Esta história é uma montanha russa de emoções e é a continuação ideal e lógica.

Nada disto seria possível sem um bom elenco de actores. Um enredo, por muito bom que seja, está muito dependente da performance dos actores e da direcção escolhida para o projecto, e no caso de The Last of Us Part II, o elenco é de luxo. Ashley Johnson, Troy Baker e Laura Bailey são fenomenais a dar vida às suas personagens. A Ashley, por exemplo, desempenhou o papel de uma Ellie mais velha e conseguiu demonstrar com sucesso o peso que o que acontece ao longo da jornada tem na personagem. O Troy e a Laura, como é habitual, fizeram igualmente um excelente trabalho, demonstrando assim a razão de serem tão populares dentro desta industria. E no geral, mesmo os nomes menos conhecidos, fizeram um trabalho muito bom.

O mundo pós-apocalíptico de The Last of Us Part II é duro e imperdoável. É um mundo onde só os mais fortes sobrevivem, e isso é demonstrado pela violência extrema presente em vários momentos do jogo. Esta violência muito gráfica levantou algumas sobrancelhas, mas penso que seja preciso dar algum contexto. Muitas vezes, a violência usada em videojogos tem o simples propósito de acrescentar o factor “cool” à experiência. Os últimos Tomb Raider são um bom exemplo disso, em que a Lara Croft espeta um machado na cara de um inimigo apenas para mostrar o quão “badass” é. Esse nível de violência é despropositado face ao contexto do jogo em questão. Mas em The Last of Us Part II, a violência gráfica existe para fazer com que o jogador fique desconfortável e pense duas vezes se há de matar todos os inimigos humanos que lhe apareçam à frente ou se tentará contornar as situações sem mortes desnecessárias.

Além disso, essa violência gráfica contribui para vermos o quão desgastante a experiência é para as próprias personagens. O primeiro The Last of Us já tinha algumas cenas emocionalmente tensas, capazes de resultar em violência chocante e inesperada, levando a que as personagem ponderassem as ramificações das suas acções e dos seus erros. O arco da história referente ao Sam e ao Henry é um bom exemplo do que falo. É uma cena gráfica e tensa, executada na perfeição, com contexto e uma intensificação progressiva. The Last of Us Part II oferece um bom número de cenas deste tipo, e uma das coisas que mais gostei de ver foi o peso que as acções têm nos ombros das várias personagens. Este jogo não glorifica a violência, mas sim, usa-a com contexto e na medida certa, com o intuito de mostrar o desenvolvimento pessoal e da história como um todo.

O mundo está de pantanas e Seattle não é excepção. Ellie viaja até esta cidade em busca de vingança e vê-se envolvida no meio de uma guerra territorial. Seattle é ocupada por duas facções que lutam pelos recursos ainda disponíveis na cidade; Washington Liberation Front (ou WLF), uma facção militarizada com muito poder de fogo e com elementos bem treinados, e Seraphites, um culto com práticas ritualísticas, cujos elementos são mais discretos e utilizam predominantemente armas silenciosas. Mas qualquer uma destas facções é uma força a ter em conta. Os infectados não foram esquecidos e são igualmente uma ameaça bem presente. Além dos Runners, Stalkers, Clickers e Bloaters do primeiro jogo, estão também presentes alguns novos estados de infecção, incluindo os Shamblers, que foram mostrados recentemente no State of Play. Muitas vezes, diferentes tipos de infectados estão na mesma zona, obrigando assim a que seja feito um planeamento cuidado dos passos a seguir.

Ellie tem de lidar com muitos perigos, como tal, ganhou novas habilidades face ao que Joel conseguia fazer no primeiro The Last of Us. Ela consegue rastejar por debaixo de veículos ou objectos, consegue passar através de espaços apertados, consegue saltar, consegue desviar-se de ataques e consegue disparar enquanto está deitada no chão. Melhor ainda é o facto de estas acções poderem ser encadeadas de forma fluída. Por exemplo, Ellie pode estar a sprintar, atira-se para o chão para se proteger atrás de cover, rasteja por entre as ervas e dispara enquanto está deitada. E caso volte a ser descoberta, um simples toque no L1 e ela levanta-se rapidamente e fica pronta para se colocar em movimento. Esta maior agilidade combinada com áreas mais amplas e espaços para escapar, permite que o jogador aborde as situações de diferentes formas, e mesmo quando a coisa dá para o torto, é sempre possível fugir e voltar a ganhar o elemento surpresa para ataques stealth. E tensão causada pela forma como a Ellie reage às situações é inacreditável.

O combate corpo-a-corpo também levou melhorias comparativamente aos jogos anteriores da Naughty Dog. O “quadrado” ainda é o botão associado aos golpes, mas agora há que contar com os desvios. Pressionar o botão o mais rapidamente possível não é o ideal, porque os inimigos, humanos ou infectados, vão conseguir defender-se. É preciso ter atenção ao padrão de ataques dos inimigos e, quando forem apanhados em desequilibro, aí sim, desferir alguns golpes. Os combates tornam-se menos perigosos quando se tem uma chave de fendas, um machado ou qualquer outra arma, mas, como é óbvio, isso nem sempre é possível. E Ellie é fisicamente menos resistente que Joel era no primeiro jogo, como tal, há que evitar situações em que ela fique corpo-a-corpo com múltiplos inimigos em simultâneo.

A inteligência artificial também foi aprimorada. Os inimigos humanos têm uma rota de patrulhamento, e quando somos descobertos e voltamos a fugir para entrar em modo stealth, eles não esquecem a nossa presença. Em vez disso, deixam a sua rota habitual para ir procurar vestígios nossos noutras áreas desse mapa. Inclusive, a forma como se movimentam altera-se, ficando permanentemente em modo de alerta e prontos a reagir. Até olham para debaixo dos carros. A inteligência artificial dos nossos companheiros também foi melhorada. No primeiro jogo, os nossos companheiros tinham comportamentos estranhos, a ponto de passarem muitas vezes à frente dos inimigos. Mas em The Last of Us Part II, além de se meterem em cover de forma correcta, não avançam à maluca. E quando somos descobertos, eles também ajudam mais, tanto com tiroteios à distância como com combate corpo-a-corpo.

A Naughty Dog disse várias vezes que The Last of Us Part II é o seu maior e mais ambicioso título até à data, e de facto, isso é verdade. As áreas aqui presentes são maiores que as do primeiro jogo e também das dos Uncharted. Não existem setas, marcadores ou linhas guiadoras. O jogo informa que é preciso chegar até determinado sítio ou que é preciso encontrar um edifício específico, e cabe ao jogador explorar até encontrar o local certo. Mas sendo este um jogo com uma componente de sobrevivência, compensa explorar bem as áreas em busca de recursos. Na verdade, The Last of Us Part II recompensa muito bem quem decide explorar. A certa altura, encontrei uma nota que deu indicações da existência de um conjunto de recursos num edifício ali perto e resolvi ir lá. Tive de passar por alguns Runners e Clickers, mas a exploração daquela área compensou, mais propriamente, com uma caçadeira e vários materiais.

Com tantos inimigos, as armas são um factor preponderante no nosso sucesso. O nosso arsenal inclui uma pistola, caçadeira, espingarda e um arco, entre outras, e os materiais encontrados nas áreas permite melhorar a eficácia das armas. Por exemplo, podemos melhorar a cadência de disparo e dano da caçadeira, e estas modificações também têm um impacto visual. No entanto, os recursos são limitados, significando que não vão conseguir melhorar todas as armas ao máximo. Há que fazer escolhas. O mesmo vale para a evolução da personagem. Ao longo do jogo vamos apanhando algumas revistas, que desbloqueiam skill trees. Cada skill tree oferece bónus específicos, que complementam o estilo de cada um. Porém, os recursos são limitados e não dá para fazer reset. Os upgrades são definitivos.

A nível gráfico, The Last of Us Part II é um dos melhores jogos actualmente disponíveis na PS4. A Naughty Dog sempre fez jogos com bons visuais, como Uncharted 4 e Uncharted Lost Legacy. Porém, The Last of Us Part II apresenta uma clara melhoria face aos títulos previamente indicados. As expressões faciais são fantásticas, o nível de detalhe incorporado nos diferentes materiais é assombroso, e os cenários foram brilhantemente criados e estão cheios de pormenores. O jogo pode não ser tão chamativo com alguns outros jogos AAA, por apresentar uma palete de cores mais fria e por ter zonas de jogabilidade dentro de edifícios, mas não tenham mínima dúvida de que The Last of Us Part II é um jogo belíssimo e é tecnicamente muito bom.

Não posso terminar esta análise sem mencionar uma coisa muito importante para muita gente. Os videojogos são uma forma de entretenimento muito popular, porém, demasiadas vezes não fazem o suficiente para serem mais inclusivos. Felizmente, a Naughty Dog esforçou-se neste aspecto e The Last of Us Part II conta com mais de 60 opções de acessibilidade, que incluem opções para quem tem problemas de visão, problemas auditivos, e deficiência física ou de mobilidade, juntamente com a possibilidade mapear na totalidade os botões do DualShock 4. Desta forma, mais pessoas poderão usufruir desta experiência. Além disso, o jogo permite a escolha do idioma das legendas, menus e vozes em separado, significando que, se assim o desejarem, poderão jogar com as vozes inglesas e legendas em português.

Muita gente achava que era desnecessária uma sequela de The Last of Us, porque seria bastante difícil oferecer uma continuação daquela história com a mesma qualidade ou porque o final ambíguo foi a forma perfeita de terminar o jogo. Mas sete anos depois, eis que a Naughy Dog fez aquilo que parecia impossível, e não se acanhou em fazer uma sequela que evita ser previsível e que inclui muitos momentos que certamente deixarão os jogadores em sobressalto e desconfortáveis. The Last of Us Part II é chocante, muito intenso e mentalmente esgotante, e adorei todas as mais de 28 horas que passei nesta aventura. Não sou de usar frases pré-feitas, mas aqui vejo-me obrigado a tal. The Last of Us Part II é uma obra prima.

Nota editorial: Cópia fornecida pela editora para efeitos de análise.

Veredito

Nota Final - 10

10

The Last of Us Part II é um ponto alto na escrita de histórias em videojogos. É uma aventura intensa e chocante, e é um jogo obrigatório para qualquer dono de uma PS4.

User Rating: 3.44 ( 47 votes)

Ricardo Silvestre

É o editor da ZWAME Jogos e faz um pouco de tudo no site. Gosta em particular de jogos de corrida, jogos de luta e RPG's, mas também não diz que não a um bom jogo com loot.
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