Análises

Life is Strange

Versão testada: Xbox One

Hoje foi um dia estranho. Estranho porque já não me ia encontrar com os personagens que me acompanharam durante uma semana. A história que me havia sido contada tinha deixado a sua marca, e para começar acho que não pode ser dado elogio maior que esse, uma vez que depois de tantos jogos me passaram pelas mãos, são muito poucos os que me ficam na memória.

Será, na minha opinião, redutor julgar que aqui se trata de apenas mais uma história de recém adultos, pois cedo me apercebi que os temas abordados vão muito mais além do que a nossa imaginação ao início permite julgar. Muitas vezes se apregoa que determinadas escolhas moldam os nossos personagens, que as decisões vão, de alguma maneira, mudar aquilo que vamos encontrar mais à frente, mas infelizmente, na maior parte dos casos verificamos que tal não sucede, e por maior “liberdade” que seja dada ao jogador, o caminho acaba sempre por afunilar numa determinada direção.
As escolhas que aqui fazemos levam a grandes questões, uma vez que não se limitam ao preto ou branco, ao sim/não. Por vezes as nossas decisões têm ramificações que são difíceis de antecipar, pois afinal de contas estamos a lidar com pessoas, e tal como elas as escolhas revelam-se, por norma, complexas.

life is strange review 1Somos Max Caulfield, uma jovem adulta que acaba de fazer 18 anos. Amante de fotografia que estuda na academia de Blackwell, Oregon. O que seria uma aula normal rapidamente ganha contornos muito estranhos para Max, uma vez que o que parece ser uma visão aterradora de algo, é apenas isso mesmo, uma visão. Não deixa, no entanto, de espantar a nossa jovem protagonista, que acorda na sua aula um pouco transtornada.
Após a nossa breve introdução a alguns personagens, e um acontecimento em particular, descobrimos que por obra de qualquer coisa espiritual, mágica, divina, Max é capaz de recuar no tempo, o que permite alterar determinados aspetos do jogo.

Este é um jogo feito de escolhas. Não esperem qualquer tipo de jogabilidade para além do diálogo entre personagens e alguma exploração, que normalmente está limitada no cenário que temos que percorrer. Não esperem também que algumas das decisões que vão ter que tomar nas opções de diálogo sejam óbvias, uma vez que isso vai depender do nosso próprio julgamento, pois não existem por vezes elementos que nos permitam tomar decisões concretas. De uma maneira ou outra vão ter que arcar com as consequências, sejam elas boas ou más, pois apesar de podermos usar o nosso poder para recuar algum tempo atrás, existem consequências, tal como na vida real, que são irreversíveis. Mas mais importante, moldam o jogo para um determinado caminho, que será, na maior parte das vezes, só nosso, tornando realmente importantes as nossas escolhas.

life is strange review 2Se há algo que acho que faz uma boa história são sempre os seus personagens. Não existe nada mais memorável que personagens que conseguem arrastar a nossa mente para o mundo fictício que nos estão a mostrar. O jogo tenta, com bastante sucesso diga-se, ser o mais mundano possível, portanto, ser bastante credível com as várias personagens que nos apresenta durante a nossa aventura. Os típicos estereótipos que imaginamos, ou que muitos vezes vivemos, num ambiente escolar, estão representados das mais variadas maneiras, sendo muito fácil identificar alguns que nos dão nostalgia.

Uma das coisas que mais apreciei na nossa protagonista são os seus monólogos internos. Qualquer interação com objetos do cenário que estamos a explorar pode levar a pequenos pensamentos/indagações sobre os acontecimentos passados ou presentes. Existem inclusive algumas secções onde temos que desvendar alguns puzzles, que permitem acentuar mais este aspeto.
Não podia deixar de falar da outra grande “protagonista” da nossa história, Chloe Price. Sem entrar em grandes detalhes, uma vez que uma das coisas que mais gostei foi o facto de não saber quase nada do jogo, foi perceber que esta personagem rebelde, por vezes grosseira, e talvez um pouco egoísta, consegue captar a nossa atenção pelo seu papel fundamental no desenvolvimento da história, mas sobretudo da nossa protagonista jogável, Max. Não pude deixar de reparar em algumas semelhanças entre este personagem e a protagonista da banda desenhada de Julie Maroh, Emma. É caso para dizer que o azul é uma cor predominante, ou quente se quisermos.

life is strange review 3Grande parte do nosso tempo vai ser passado e explorar e conversar com outros personagens. A jogabilidade não envolve muito mais que isso, sendo sempre possível na maior parte das ocasiões recuar uns instantes no tempo se não estivermos satisfeitos com alguma decisão que tomamos. Esta mecânica envolve alguns puzzles durante determinadas secções, uma vez que o que recua no tempo é tudo o que está à nossa volta, e não o nosso personagem. À medida que vamos tomando certas decisões estas vão sendo escritas no nosso diário, que para além ser um testemunho escrito da nossa aventura, é também um local onde podemos visualizar algumas das fotografias opcionais que tiramos dos mais variados acontecimentos com que nos deparamos, afinal de contas Max é uma aficionada e estudante de fotografia.

Sendo um jogo episódico, composto por 5 capítulos, este consegue criar e desvendar o suficiente para deixar a nossa ânsia bem alta quando terminamos um “episódio”. Os três primeiros conseguem captar de forma excelente todos o momentos importantes, e chegados à conclusão dos mesmos o desejo para continuar é enorme. Em contra partida os dois últimos são um pouco mais cerebrais, portanto, obrigam a pensar certos acontecimentos de maneira diferente, pois os nossos poderes de recuo do tempo vão para além do que seria de imaginar, sendo também os que desvendam todos, ou quase todos os segredos. Não devem demorar mais de 3-4 horas para terminar cada um deles, o que dará algo por volta das 15-20 horas para vermos o culminar de todas as nossas decisões.

O aspeto técnico do jogo acaba por ser o mais pobre do jogo, não sendo mau. Uma espécie de aguarela que ganha vida, seria talvez a melhor descrição que se pode dar. É uma pena que as animações faciais não consigam acompanhar a performance de alguns dos atores que dão voz aos personagens, pois é por vezes estranho ver um momento mais importante/delicado e ser confrontado com o rígido aspeto dos modelos. Existem também alguns problemas de carregamento de texturas, problema clássico do motor Unreal.
As vozes são regra geral muito boas, e conseguem transmitir exatamente aquilo que um determinado personagem está a sentir/viver. Destaque ainda para a banda sonora que é excelente, que não estando sempre presente, consegue, nos momentos importantes, dar aquele toque melodramático tão bom.

O final de um dos episódios agradece-nos por chorar. Confesso que não chorei, mas o facto de ter conseguido sentir alguma coisa enquanto tomava decisões que por vezes me demoravam minutos, questionando se estaria a fazer a coisa certa, foi muito importante. Os temas que o jogo aborda são vastos e nem sempre os mais fáceis de retratar, perda, sacrifício, redenção, mas acaba por ser uma força da narrativa que eles lá estejam, ainda por cima de forma tão bem feita.
Acho que será talvez esta a lição que este jogo nos ensina, ou seja, não existem decisões fáceis, não existem milagres, não há nada que façamos que não tenha sempre uma consequência. Cabe-nos sempre a difícil tarefa de escolher, muitas vezes sem ter certezas do que fazemos, mas desde que a nossa consciência fique tranquila, julgo que acabamos por conseguir viver sempre com as nossas escolhas.
A ignorância por vezes pode ser uma bênção, e se até eu que pouco ou nada sabia do que este jogo me tinha para apresentar, fiquei rendido ao mesmo, talvez seja a altura de vocês darem uma oportunidade de fazerem algo diferente. Quem sabe não ficarão surpreendidos.

Botão Voltar ao Topo