Análises

Tom Clancy’s The Division

Versão testada: PS4

Em 2013 a Ubisoft surpreendeu tudo e todos quando na E3 2013 apresentou Tom Clancy’s The Division, um shooter RPG com elementos MMO, cujo palco de fundo era a cidade de Manhattan. Três anos mais tarde, eis que o jogo chega finalmente ao PC, PS4 e Xbox One. Mas até que ponto o jogo cumpriu com as altas expectativas de todos?

Sem entrar em grandes detalhes narrativos, The Division decorre durante uma grande crise causada por a libertação de um vírus numa das alturas mais movimentadas do ano: a Black Friday. O vírus causou um enorme número de mortos e devastou socialmente a cidade. Cabe ao jogador restaurar a ordem e investigar o origem do vírus.

Em vez de cutscenes, a história é maioritariamente contada via rádio ao longo das 16 missões da campanha e o lore é expandido através de mais de duas centenas de coleccionáveis. Aliás, alguns destes coleccionáveis, principalmente os Echoes, são uma boa forma de ver algumas das situações causadas pelo efeito da propagação do vírus e pelo seu impacto na vida social da população. As poucas cutscenes que o jogo tem são focadas nas três personagens associadas a cada uma das Wings na Base of Operations, mas estas personagens acabam por ser pouco memoráveis e interessantes.

O que é deveras interessante é a história e o lore que a suporta, porque o vírus usado, a forma encontrada para o espalhar, e as motivações do vilão tornam a premissa bastante credível e plausível. A premissa em si não é nova, tendo já sido usada em outros meios de entretenimento (ex: NCIS Los Angeles), mas isso não a torna menos interessante. Bem pelo contrário, porque no caso do The Division é mostrado o efeito do vírus, em vez de ser uma tentativa para evitar o acto terrorista.

O primeiro passo, ainda antes construir uma base, é criar o aspecto do nosso agente. Infelizmente, o número de opções disponíveis é bastante limitado. É desapontante que um jogo com elementos MMO tenha uma criação de personagem tão limitado em número de caras, de penteados e de acessórios, não havendo sequer a opção de personalizar em mais detalhe os traços faciais. Como resultado, os jogadores acabam por criar personagens algo genéricas e muito semelhantes uns aos outros.

Passado o acto de criar uma personagem, há que fazer um pequeno tutorial que decorre em Brooklyn. Neste tutorial aprende-se os básicos da jogabilidade, assim como da estrutura das missões. O verdadeiro jogo começa quando a Base of Operations é estabelecida. Assim que isto é feito, há que criar os três departamentos (Medial Wing, Tech Wing e Security Wing) e arranjar suprimentos suficientes para desbloquear o resto das funcionalidades de cada um dos departamentos. Para isso, é necessário fazer as missões de história e alguns enconters (missões secundárias com objectivos simples) que dão suprimentos específicos para cada departamento.

the division review screenshot 2Cada funcionalidade desbloqueada, dá acesso a um conjunto de Skills e Talents. Os Skills são habilidades que podem ser usadas em combate, e tanto podem ser ofensivas, defensivas ou de suporte. Os Talents são habilidades passivas que são activadas automaticamente durante o combate após determinada acção. Por exemplo, o talent Triage faz com que os cooldows das Skills sejam reduzidos em 15% sempre que se cura o aliado. Os Talents acabam por ter uma importância maior que aquela inicialmente prevista, porque são eles que complementam a build e a tornam mais eficaz.

Por fim, existem as Signature Skills, algo semelhante aos supers do Destiny, sendo que cada Wing tem a sua especifica. A da Medical Wing serve para curar a equipa toda, a da Tech dá dano bónus, e a da Security aumenta a defesa. Tudo combinado, faz com que exista uma grande quantidade de opções no que toca à criação de uma build.

No entanto, é necessária alguma atenção por parte da produtora, porque apesar da existência de tantas opções de personalização, existe um excessivo inclinar para o uso de builds puramente dedicadas a DPS. É algo que será preciso balancear no futuro.

Em termos de combate e de jogabilidade, The Division é um cover shooter sólido, que favorece quem usa bem os cenários para tirar vantagem sobre os inimigos. Em missões mais avançadas, nota-se que a IA é um pouco mais esperta, e tenta usar alguma tactica. Mas isto nunca é devidamente explorado, e as fações acabam por ser muito semelhantes em termos de estilo de combate. A pior infracção está associada aos bosses. Aliás, nem sei se devem ser chamados “bosses”, porque estes inimigos com nome nada têm de diferente do resto dos inimigos e são completamente genéricos e esquecíveis.

A própria estrutura das missões de história não beneficiam as facções nem os bosses, porque na sua grande maioria, são repetitivas e envolvem ir a um ponto, matar vagas de inimigos, avançar para a próxima área, e repetir o processo até chegar ao boss. Numa ou outra missão existe um objectivo com tempo, mas geralmente não foge muito a isto. Aquilo que ajuda a disfarçar esta estrutura repetitiva é uma boa variação de cenários e ambientes, cada um com um bom nível de atenção ao detalhe.

Algo bastante falado ao longo da produção, tendo inclusive sido mostrado logo no primeiro trailer, foi a Dark Zone, uma zona que mistura PVE com PVP. A Dark Zone sempre foi descrita como sendo um sítio extremamente perigoso, onde era necessário ter atenção aos inimigos, sejam eles IA ou jogadores que sucumbiram ao desejo de roubar o loot a outros jogadores. Mas aquilo presente no jogo final, não corresponde bem a essa descrição.

A Dark Zone tem um nível separado do nivel PVE, mas que funciona de forma semelhante. A única diferença tem a ver com o que desbloqueiam. Ao atingir nível 30, passa a ser possível comprar equipamento lendário nos vendedores na Dark Zone, e ao atingir nível 50, ganha-se a habilidade de comprar equipamento high end, seja com DZ funds ou com Phoenix Credits, a moeda mais rara do jogo. Até aqui, tudo funciona correctamente, mas o resto está pura e simplesmente mal balanceado.

Por alturas em que alguém chegue a nível 30 da Dark Zone, já o equipamento vendido está desactualizado. Até os chests que requerem nível 30 para serem abertos, dão equipamento raro e não lendário. E depois há o processo de evoluir de 30 para nível 50, que não só é demorado de forma desproporcional, como envolve o risco de se perder horas de progresso. Uma morte, mesmo que contra um simples inimigo IA, pode significar mais de metade de um nível perdido.

E claro, o sistema Rogue. Sendo esta uma zona onde o PVP está activo, é necessário que haja um equilíbrio entre o risco e a recompensa em atacar outros jogadores pelo seu loot. Neste momento, apenas existe risco e nenhuma recompensa. A penalização por se morrer enquanto Rogue é tão grande, que é possível perder dois ou três níveis, sem falar em dinheiro e chaves para os chests da Dark Zone. Até o processo de procurar materiais e itens para extrair é tão demorado, que acaba por não haver grande incentivo em ir à Dark Zone assim que se atinge o nível 50.

the division review screenshot 1Sendo The Division um jogo à base de loot, o end game necessita de ser equilibrado e profundo, já que será aqui onde os jogadores irão passar a maior parte do tempo a procurar melhor equipamento. A Dark Zone não oferece grande coisa nesta frente, mas e então a parte PVE? Infelizmente, o end game actualmente presente no jogo é extremamente limitado, pois resume-se apenas a quatro missões de história na dificuldade challenging, que coloca os inimigos em nível 32, dois níveis acima do limite dos jogadores.

Embora os inimigos possam deixar itens high end na Dark Zone, a maneira mais rápida de se obter um é completar uma missão na dificuldade challenging. Mas como actualmente só quatro missões têm esta dificuldade disponivel, o end game torna-se limitado e repetitivo muito rapidamente. Se considerarmos que The Division é primeiro um RPG e só depois um shooter, de facto, é impossível não chegar à conclusão de que a Massive subestimou em demasia o conteúdo end game necessário para satisfazer os jogadores a médio prazo.

Mas o loot, seja ele armas ou equipamento, também pode ser criado através do sistema de crafting. Para isso, apenas são precisas duas coisas: materiais e a blueprint do item desejado. É um sistema simples, de fácil uso, mas que funciona bastante bem. Tendo a blueprint, é possível criar quantos itens se quiser, enquanto houver materiais. Dada a quantidade de atributos existentes, será necessário criar um grande número de itens até sair algum perfeito para a build. Optimização é a palavra chave. Mas isto é uma das coisas que tornam este tipo de jogo tão interessante; a possibilidade sempre presente de conseguir tornar a personagem mais forte.

A taxa de conversão entre as categorias de raridade de materiais é que necessita de alguns ajustes, pois está desproporcionada. E há que mencionar a existência de um material raro chamado Division Tech. Obter a versão high end deste material é demasiado morosa, pois só se pode apanhar na Dark Zone e em chests específicos. Mas sendo uma área partilhada com outros jogadores, é frequente ver que os chests já foram abertos, dificultando assim demasiado a sua aquisição. Aqui encontra-se o ponto de resistência naquilo que, até agora, era um bom sistema.

the division review screenshot 3Sendo este um jogo com uma componente RPG bastante forte, não é de estranhar que também seja possível alterar um atributo de qualquer equipamento. Chamado Recalibration, este sistema funciona de forma semelhante ao sistema de reforge presente em Diablo 3. Ao escolherem qual atributo querem alterar, é mostrada uma lista com os potenciais novos atributos. Os recalibrations seguintes serão feitos sempre nesse atributo, e o preço irá aumentar progressivamente. Aqui encontra-se mais um ponto de resistência, nomeadamente a moeda usada: Phoenix Credits.

Como mencionado anteriormente, Phoenix Credits é a moeda mais rara do jogo. Esta moeda só é obtida através das missões diárias nas dificuldades Hard e Challenging, e sempre que se mata um elite com nome, embora neste último, o máximo que se pode ganhar são 3 Phoenix Credits. Isto cria um problema porque os Phoenix Credits já são usados para adquirir equipamento high end. Aliás, até cria outro problema. Cada recalibration ao mesmo equipamento é progressivamente mais cara, podendo o preço ultrapassar os milhares de Phoenix Credits. No entanto, o limite máximo de Phoenix Credits que se podem guardar é de 1000. Isto significa que na prática, tenha sido pensado intencionalmente ou não, há um limite máximo de recalibrations que se pode fazer ao mesmo equipamento, algo que não deveria de acontecer.

Há também que mencionar outros aspectos menos bem conseguidos, alguns deles com impacto directo na jogabilidade. Um desses aspectos está relacionado com a interface de utilizador que regularmente apresenta valores diferentes no DPS e no Skill Power, sem haver qualquer alteração de equipamento. De referir que a interface de utilizador necessita de melhorar bastante. Por exemplo, não dá para comparar armas sem que os mods equipados entrem na equação, não é possível saber se um mod que está a ser vendido é realmente melhor ou não do que aquele que está equipado, e não é possível fazer uma visualização dos itens cosméticos antes de se equipar ou comprar.

Outro dos problemas é referente à nossa personagem ficar presa no cenário ou ficar bloqueada na animação de cover, por vezes chegando mesmo até a entrar nas texturas dos objectos, obrigando o jogo a fazer reset à nossa posição, nem que para isso nos envie para outro ponto no mapa. Isto acontecer durante uma missão em challenging não é de todo divertido. O que também não é divertido é o bug que impede que se façam revives.

Mas não poderia acabar esta longa análise, sem falar no aspecto visual do jogo. Sim, existem algumas quebras de frames, especialmente em zonas onde o efeito de fogo é abundante, mas de forma geral, a performance é estável, ainda para mais se considerarmos a dimensão do mundo de jogo e a sua enorme quantidade de pormenores. Carros abandonados, caixotes do lixo completamente a transbordar, lixo a esvoaçar com o vento, efeito das balas nos objectos, transição dia/noite com condições climatéricas, enfim. Há que felicitar a Massive por ter consigo recriar a cidade de Manhattan e ao mesmo tempo ter incluído tanta quantidade de pormenores que ajudam a retratar a presença da infecção e as suas consequências.

Como qualquer jogo com uma componente MMO, é expectavel que The Division vá evoluindo e melhorando com o tempo, até porque a Massive mostrou que está atenta ao feedback da comunidade. Neste momento, na altura em que esta análise foi escrita, The Division é um jogo sólido e que apresenta uma boa fundação para o futuro, mas que sofre de pouco conteúdo end game, de uma economia pouco equilibrada e de alguns bugs que afectam negativamente a jogabilidade e a experiência geral. Ainda assim, há que salientar o bom esforço da Massive e há que ficar de olho no que aí vem, a começar já no próximo mês com a primeira actualização de conteúdo gratuita.

Veredito

Nota Final - 7

7

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