Análises

Days Gone

Sobreviver em Oregon.

Versão testada: PlayStation 4 Pro

Aqui que ninguém nos ouve, não tinha grandes expectativas para este jogo. Diria mais; dos exclusivos first-party da Sony dos últimos anos, Days Gone era aquele que menos entusiasmo me dava. Só não sabia exactamente o porquê. Inicialmente, pensei que fosse por este ser mais um jogo num cenário pós-apocalíptico com zombies, mas depois, percebi que a razão era outra. Os trailers oficiais divulgados até agora fizeram um bom trabalho a demonstrar a jogabilidade e os diferentes sistemas de jogo, mas fizeram um mau trabalho a fornecer uma linha geral da história. E sendo este um jogo focado na narrativa, isso exacerbou a minha impressão inicial de que estava perante mais um jogo com zombies. Mas após 35 horas a jogar este título, não tenho vergonha nenhuma em dizer que as minha impressões iniciais estavam completamente erradas. Days Gone está longe de ser apenas mais um jogo genérico com zombies.

Em Days Gone, seguimos as pisadas de Deacon St. John, um vadio que vive numa região sem lei, longe dos acampamentos civis. Deacon só conseguiu sobreviver ao caos que se instalou no mundo graças às habilidades que adquiriu antes do mundo como o conhecemos ter terminado, numa altura em que fazia parte do Mongrel Motorcycle Club, um clube de motards onde a violência fazia parte do dia a dia. Eu não vou entrar em grandes detalhes sobre a narrativa, porque quero que tenham a mesma experiência sem spoilers que eu tive, mas digamos que Deacon mesmo dois anos após os trágicos eventos decorridos nos inícios do surto, ainda não superou a perda da sua mulher, Sarah. Eventualmente, Deacon, juntamente com Boozer, um outro ex-membro do Mongrel MC, decidem-se fazer à estrada numa tentativa de mudar de ares e deixar os fantasmas do passado para trás, quando as coisas dão uma volta para pior.

É graças a estes eventos que vamos visitar alguns dos acampamentos dos sobreviventes e conhecer diversas personagens, algumas delas muito interessantes e já com um historial para com Deacon. Confesso que a narrativa, assim como as personagens que encontramos nos acampamentos, me surpreenderam pela positiva, ainda para mais tendo em conta o cenário escolhido. Não é muito frequente em meios de entretenimento com cenários pós-apocalípticos com zombies terem uma narrativa e diálogos decentes. The Last of Us é uma das poucas excepções. A narrativa de Days Gone pode não atingir os pontos altos do jogo da Naughty Dog, mas foi boa o suficiente para me ter prendido do inicio ao fim, algo que não estava de todo à espera. Contudo, algumas missão são um pouco repetitivas, a ponto de chegarem ao nível de fetch quests; ir a um sítio buscar um item ou ir a outro sítio encontrar uma certa pessoa.

Eu tenho usado o termo zombies, mas isso não é totalmente correcto. Os zombies, que aqui se chamam Freakers, aproximam-se mais dos infectados dos filmes World War Z e I Am Legend do que propriamente dos típicos zombies pachorrentos. Na verdade, foi colocado um enorme esforço por parte da Bend Studio na implementação dos Freakers no mundo. Com isto quero dizer que eles têm padrões migratórios e comportamentos diferentes dependendo da altura do dia e das condições meteorológicas, e as hordas de Freakers são um bom exemplo disso. Existem no mapa alguns grupos de Freakers que podem chegar às centenas de elementos. Estes confrontos exigem algum planeamento, até porque os Freakers tendem a espalhar-se e a tentar rodear o jogador de vários lados, mesmo que isso implique passar através de edifícios. Ao executar bem esse planeamento, conseguimos atraí-los para locais onde existam explosivos ou materiais de fácil combustão para ir reduzindo mais facilmente o número de inimigos.

Em caso de ser necessário fugir para viver mais um dia, o tamanho da horda não se regenera imediatamente; o confronto não volta à estaca zero e o tempo não é desperdiçado, dando assim uma margem de manobra para reabastecer de munições e de curas. Mas convém não esperar demasiado para acabar de vez com a horda. E isto entra naquilo que disse anteriormente de a equipa de produção ter colocado muita atenção nestes inimigos. Estes grupos gigantes não são estáticos e movem-se por determinadas áreas. Embora estes grupos não regenerem rapidamente o número de elementos, ao moverem-se por diferentes zonas, vão absorvendo os Freakers que estejam isolados. Ora, os Freakers, aliados aos animais infectados, tornam o mundo de Days Gone num mundo dinâmico, onde a sobrevivência é colocada em causa a cada esquina, mas sem que isso se torne cansativo ou frustrante para o jogador.

Mas também existem ameaças humanas. Como é já tradição em cenários pós-apocalípticos, o fim do mundo leva à criação de grupos mais violentos. Durante as nossas viagens, podemos ser emboscados por grupos de ladrões ou sermos atraídos para armadilhas. Eventualmente, podemos dar cabo das bases desses grupos, de forma a torná-las em bases nossas e em pontos de fast travel. Outra ameaça humana, e mais prevalente que os típicos ladrões, diz respeito a um grupo chamado de Reapers. Este grupo, que tem uma presença mais forte na campanha principal, é bastante mais extremista, funcionando quase como um culto. Eles são facilmente identificáveis pelo seu aspecto cheio de marcas e símbolos cravados na pele. A IA dos inimigos humanos é facilmente explorada através do uso de distracções, fazendo com que os Freakers e os animais infectados sejam a principal ameaça neste mundo. Ainda assim, é preciso ter algum cuidado para evitar que as situações mais simples se descontrolem, porque assim do nada, eis que podem surgir surpresas.

Por vezes, os jogos com uma componente de sobrevivência tendem a ser algo aborrecidos a médio/longo prazo porque é necessário andar constantemente atrás de munições ou de materiais. Aqui também temos de fazer isso, seja para reparar a mota ou criar e reparar armas de combate corpo-a-corpo, ou para simplesmente não ficarmos completamente sem munições. Contudo, existe em Days Gone um equilíbrio na quantidade de materiais que se encontram espalhados pelos cenários. É claro que a falta de atenção pode levar a situações onde ficamos apiados num local qualquer, porque ficámos sem combustível na mota, mas no geral, acho que as coisas foram bem executadas. Somos penalizados por falta de atenção, mas a procura de materiais não é excessivamente grande para aborrecer o jogador ou alongar artificialmente a duração da campanha.

A mota é uma ferramenta extremamente importante na nossa jornada, sendo quase que uma personagem. Ao inicio do jogo, a mota é lenta e algo pesada, mas as melhorias que se podem comprar nos acampamentos, que incluem novos motores, tubos de escape, suspensões e pneus, tornam-na mais ágil e rápida e também muito mais divertida de a utilizar. Aconselho primeiro a adquirirem um tanque de combustível maior, pois isto irá facilitar muito as deslocações. Além das melhorias mecânicas, também existem algumas visuais que incluem, por exemplo, novas pinturas. De referir que as condições climatéricas afectam a condução da mota. Por exemplo, conduzir durante um nevão faz com que a mota derrape mais. Existe um sistema de fast travel em Days Gone caso não queiram andar constantemente de um lado para o outro, mas esse sistema só funciona se tiverem combustível suficiente na mota para percorrer essa distância.

A nível de controlos, Days Gone não difere muito do género third-person shooter, significando que não é necessário muito tempo para nos habituarmos a este esquema. Deacon não tem grandes quantidades de vida ao inicio, como tal, convém ter algum cuidado ao pé dos inimigos. Eventualmente, com a melhoria das habilidades, Deacon torna-se mais eficaz e resistente. Os materiais que apanhamos pelo mundo podem ser usados para criar itens de cura, novas armas de corpo-a-corpo, distracções electrónicas ou armas explosivas, tipo cocktail molotovs. Isto, assim como outros objectos, são feitos através de uma roda, que abranda o tempo quando usada, que apresenta as diferentes categorias de itens.

Deacon pode equipar armas compradas nos acampamentos ou pode usar qualquer arma que os inimigos deixem cair aquando da sua morte. Importa referir que as armas têm recoil e existe alguma imprecisão intencional na forma como Deacon dispara. Afinal de contas, ele não é um super soldado ou um super herói. Isto significa que é preferível deixar a mira estabilizar um pouco antes de começar a disparar e que é aconselhado evitar disparar rajadas demasiado longas. Excepção feita em situações mais especificas. Os combates corpo-a-corpo são simplistas, pese embora a sua eficácia varie conforme a arma usada. Por exemplo, usar uma simples faca requer mais ataques para matar um Freaker do que uma machete. Tirando a faca, que é a arma de recursos, todas as armas vão-se degradando com o uso, mas podem ser reparadas em qualquer altura.

Mas sendo este um jogo com uma componente de sobrevivência, talvez seja melhor evitar muitos confrontos de frente e, quando possível, utilizar stealth. Esta componente é básica mas funcional. Deacon pode esconder-se em arbustos para evitar a detecção e usar as distracções para atrair os inimigos humanos ou Freakers para uma zona, de forma a podermos realizar uma execução silenciosa. Com o uso dos binóculos, é possível assinalar a posição dos inimigos, algo extremamente útil quando vamos invadir uma base alheia. Caso sejamos detectados, ao sair do campo de visão dos inimigos durante algum tempo e ao mudar de posição, voltamos a ganhar o elemento surpresa e recuperamos a possibilidade de continuar a matança de forma silenciosa.

A nível técnico, Days Gone é um jogo muito belo e detalhado, a par de outros exclusivos first-party da Sony de grande orçamento. Os cenários, assim como as personagens e os inimigos, estão cheios de detalhes, e a atenção colocada na realização desde mundo é sem dúvida acima da média. A qualidade de imagem é super limpa e os efeitos meteorológicos são belíssimos. O jogo corre a 30 fps e, na maior parte do tempo, não cai dessa linha. Contudo, notei certas instâncias onde a frame rate tem algumas quebras. Estas situações aconteceram enquanto andava de mota pelo cenário sem inimigos ao pé, o que me leva a crer que estas quebras estarão ligadas com “construção” do mundo à nossa volta. De resto, ao longo de 35 horas, mais coisa menos coisa, não notei bugs ou glitches.

Para além das quebras de frame rate acima referidas, há um outro aspecto negativo a referir. A transição entre jogabilidade e cinemáticas é separada por um ecrã de loading. Embora seja um loading relativamente curto, quebra um pouco o ritmo dessas sequências, o que difere de outros jogos com formato em mundo aberto, incluindo recentes exclusivos da Sony, em que a transição é quase imediata ou até mesmo inexistente. Além disso, e também ao contrário de outros exclusivos mais recentes da Sony, como Horizon Zero Dawn ou God of War, não existem opções de personalização da interface de utilizador, não dando assim para escolher que elementos aparecem no ecrã e quando. Por fim, também não existe uma opção para aumentar o tamanho das legendas que, neste jogo, são pequenas. Pelo lado positivo, Days Gone está completamente localizado para português, como devem saber, mas dá para escolher individualmente o idioma das vozes, das legendas e dos menus. Por falar em vozes, o voice acting original é de grande qualidade, assim como a música que, em certas alturas, chega a ser reminiscente do The Last of Us.

Eu parti para esta aventura sem esperar muito, mas acabei por ser agradavelmente surpreendido. É verdade que algumas missões podem ser aquilo a que se chama de fetch quest e, no geral, Days Gone não consegue chegar ao mesmo patamar de Horizon Zero Dawn, God of War e Marvel’s Spider-Man. No entanto, este jogo oferece um mundo único para explorar e momentos intensos quando confrontados com hordas de Freakers. Days Gone não é apenas mais um jogo de zombies, mas sim um que tira bom partido de um cenário muito popular e utilizado, para entregar uma experiência diferente e uma história merecedora de seguir.

Nota editorial: Cópia fornecida pela editora para efeitos de análise. Jogo testado com a actualização 1.03.

Veredito

Nota Final - 8

8

O design algo repetitivo de algumas missões, a IA básica dos inimigos humanos e alguns problemas técnicos deixam a sua marca, mas mesmo assim, Days Gone é um bom título, capaz de oferecer algumas quantas surpresas.

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