Análises

Pikmin 4

A arte da eficiência

Versão testada: Nintendo Switch
Disponível para: Nintendo Switch
Onde comprar: Comparador ZWAME, Tropical Price

Arrancados de novo, nós seguimos-te sozinhos.
Hoje, mais uma vez, vamos acartar, lutar, multiplicar e ser consumidos.
Deixados sozinhos de novo, vamo-nos encontrar de novo e ser atirados de novo.
Mas vamos seguir-te para sempre.

Assim começa a canção Ai no Uta, composta para o primeiro Pikmin. É cantada com um tom doce e melancólico que disfarça a tristeza da letra, tal como a beleza da natureza disfarça a sua crueldade e dureza. Vinte e dois anos depois, a música continua a ser uma perfeita representação do mundo dos Pikmin.

Em Pikmin 4 somos a mais recente adição à equipa de salvamento Rescue Corps e vamos ter de resgatar os nossos colegas, que se despenharam num planeta misterioso ao tentar salvar o capitão Olimar. Neste planeta muito familiar onde tudo é gigante, vamos precisar de uma ajudinha e é aí que entram os Pikmin – criaturas minúsculas, parecidas com cenouras, que semeamos e arrancamos do chão. Eles seguem-nos em grupo para todo o lado e ajudam-nos transportando objectos pesados e enormes, construindo pontes e lutando contra as várias criaturas hostis que vamos encontrar.

Há várias espécies de Pikmin: vermelhos, azuis, amarelos, roxos, brancos, alados, de gelo e de pedra. A nova adição à família são os Pikmin pirilampos que só podemos usar durante a noite e em cavernas. Claro que as espécies têm características que as diferem, por exemplo, os Pikmin roxos pesam imenso e são muito fortes enquanto os brancos são imunes a veneno. Cada tipo tem a sua Cebola, um género de toca voadora que os transporta, absorve matéria orgânica (o que inclui animais) e lança sementes de Pikmin.

A grande novidade é o “salvação” (um aumento para quem traduziu rescue pup para Português, por favor) Otchin, ou Oatchi em Inglês, que vai ser o nosso companheiro o jogo todo. Podemos dar-lhe ordens como se fosse um Pikmin enorme, mas também é possível andar em cima dele ou controlá-lo directamente, o que permite dividir tarefas para ser mais eficiente. Além de saber cavar, dar umas valentes cabeçadas e acartar pesos, o Otchin também salta e nada, o que o deixa chegar a sítios onde a nossa personagem não consegue e transportar Pikmin pela água.
Não há dúvidas que o Otchin torna o jogo mais fácil e rápido. Especialmente para quem jogou os anteriores jogos e já mandou abaixo dezenas de paredes de areia e carregou sabe-se lá quantos tesouros e criaturas, algo que torna esse processo mais rápido pode ser mais uma melhoria de Quality of Life do que uma diminuição de dificuldade.
Dividirmos a nossa atenção entre duas personagens é, obviamente, mais simples e acessível do que entre três como era no Pikmin 3. Isto reduz um pouco a complexidade do multitasking, mas o facto do Otchin ter características diferentes de nós torna a gestão e divisão de tarefas mais interessante por outro lado.

Vamos explorar várias zonas idílicas que, além de estarem repletas de inimigos, têm barreiras ao nosso progresso que só poderão ser ultrapassadas com um certo tipo e número de Pikmin. Pode haver uma cerca electrificada que apenas os amarelos conseguem destruir, ou um tesouro debaixo de água acessível apenas aos azuis. Para avançar vamos ter de encontrar não só os Pikmin que precisamos, mas também as suas Cebolas, para que os possamos produzir em quantidade suficiente. Pelo caminho vamos encontrar muitos outros náufragos espaciais
e vários tesouros que os Pikmin podem transportar até à nave, para que esta os transforme no combustível necessário para chegar a zonas novas e eventualmente escapar do planeta. Espalhada pelo mundo há matéria prima, pequenas rochas que os Pikmin guardam na nossa nave e mais tarde podem usar para construir pontes e afins. Também podemos usar estes materiais para comprar itens como bombas ou poções. assim como vários upgrades para nós e para o Otchin.

Um jogador experiente não vai sentir qualquer dificuldade nas zonas exteriores, mas não deixam de ser divertidas de explorar. Os cenários são tão bonitos e (habitualmente) pacíficos que dão vontade de passar lá o tempo a explorar todos os cantos e, ao contrário do primeiro e do terceiro Pikmin, não há limite de dias ou recursos para acabar o jogo. Cada dia dura cerca de 15 minutos, mas podemos demorar os dias que quisermos. É difícil resistir a voltar ao trabalho no dia seguinte até sabermos que descobrimos tudo o que há para descobrir. Quando chega o pôr-do-sol e está na hora de voltar para a nave, fica sempre alguma coisa por fazer: algum sítio onde não conseguimos chegar por não termos os Pikmin certos, um tesouro que não tivemos tempo de transportar ou uma entrada para uma caverna que ainda não percebemos como alcançar. Os níveis de Pikmin 3 tinham puzzles um pouco mais complexos aqui e ali, mas isso deve-se, em grande parte, ao facto de muitos puzzles agora estarem contidos nas grutas, simplificando um pouco a navegação no exterior.

As grutas, de volta do Pikmin 2, têm vários subníveis, onde vamos encontrar todo o tipo de cenários, inimigos e puzzles. Podemos lá ficar o tempo que quisermos, mas não podemos levar a Cebola connosco, o que implica uma margem de erro bem mais pequena do que à superfície, uma vez que não podemos ir buscar mais Pikmin. Nalgumas grutas podemos trazer Pikmin de fora, mas noutras só temos os que lá encontrarmos, o que permite desafios feitos à medida para recursos específicos e limitados. Separados da natureza da superfície, os mapas das grutas por vezes tornam formas mais abstractas onde encaixam melhor certos tipos de puzzles. Claro que também não faltam inimigos, alguns que até podem dizimar a nossa equipa inteira com um só movimento. Quando as coisas correm mal, quem acredita em segundas chances pode sempre pausar o jogo e escolher voltar atrás um número determinado de minutos, ou começar o dia de novo, salvando assim inúmeras almas de Pikmin e alguma frustração.

Em algumas grutas vamos encontrar os Folhanos (ou Leaflings), náufragos que foram absorvidos por Cebolas, ficando com a cabeça repleta de folhas e obcecados por Dandori – a arte da eficiência. Para os salvar – administrando um antídoto feito da seiva que obtemos durante a noite – precisamos de os derrotar em desafios Dandori. Nestes temos de obter o maior número possível de tesouros antes de acabar o tempo, ou competir directamente com o Folhano para ver quem obtem mais tesouros. Neste último modo, o ecrã está dividido em dois, presumivelmente para se poder ver em qualquer momento o que o nosso adversário está a fazer, mas que faz com que a imagem fique uma confusão com demasiada informação e pouco espaço, o que torna muito mais difícil ler a acção e ser eficiente. Tirando este defeito completamente evitável, são óptimos desafios, muito divertidos e onde as mecânicas do jogo brilham verdadeiramente, forçando o jogador a estudar o mapa, pensar seriamente num plano e dividir as tarefas com o Otchin.

Pela primeira vez, também podemos optar jogar durante a noite, onde vamos ter de defender uma ou duas bases dos ataques de vagas de inimigos enraivecidos, usando apenas os novos Pikmin pirilampos. Além destes brilharem no escuro e se teleportarem para ao pé de nós assim que nascem ou entregam os materiais nas bases, estes Pikmin podem ser concentrados numa bola de energia (ao estilo do Genki Dama de Dragon Ball) para atordoar e atacar inimigos. A maior velocidade e agressividade destes pirilampos conjuga-se com o ritmo mais apressado e urgente das expedições noturnas. Se durante o dia estamos a explorar, à noite estamos a sobreviver. Todas as noites começamos do zero e temos de recolher recursos para criar Pikmin pirilampo o mais rápido possível antes que as criaturas ataquem as bases. Não há tempo para andar a passear, conhecer o mapa é útil, assim como já ter construído atalhos durante o dia. As noites passam rápido e, apesar de stressantes, também permitem ao jogador ser mais agressivo, uma mudança de ritmo bem-vinda em pequenas doses.

Uma das coisas que destacou o primeiro Pikmin quando saiu foi a maneira como a Nintendo conseguiu fazer com que controlar 100 criaturas fosse fácil com um comando. A série foi vendo ligeiras alterações nos controlos de entrada para entrada, tirando proveito das capacidades dos comandos das diferentes consolas, mas mantendo sempre a mesma base. Os controlos de Pikmin 4 não são excepção. Depois de os chamarmos com um apito, os Pikmin seguem-nos para qualquer lado e a maneira principal de os fazer interagir com algo é atirá-los, quer seja para carregar uma maçã ou atacar um inimigo. Em vez de os atirar um a um, podemos mandar um grupo inteiro investir de uma só vez com o toque de um botão. Com o sistema de lock-on, basicamente não é preciso apontar para acertar onde queremos, apesar de ser possível usar o sensor de movimentos (opcional) para apontar com mais precisão enquanto estamos a segurar no Pikmin.

Em 99% das situações, estes controlos funcionam melhor do que em qualquer outro jogo da série, sendo muito mais acessíveis a novatos e evitando muitas irritações. Mas se isso é graças ao lock-on, este também traz problemas em situações com muitos alvos perto uns dos outros. Como o lock-on é automático e não dá para desligar, nestas situações é praticamente impossível apontar para onde queremos, o que é incrivelmente frustrante quando estamos contra o relógio a tentar ser o mais eficientes possíveis e até um segundo pode fazer a diferença. Felizmente, isto aconteceu-me pouquíssimas vezes, mas as que aconteceu deram-me uma sensação de falta de controlo que é inadmissível. Uma opção que nos deixasse apontar o cursor em todos os momentos com o giroscópio e/ou fazer lock-on manualmente seria muito bem-vinda.

Há comandos secundários a ter em conta, que até podemos passar o jogo sem usar, mas que são indispensáveis para ser eficiente. Num menu radial podemos escolher itens ou dar variadas ordens, como dispensar todos os Pikmin menos um grupo em particular ou pedir ao Otchin para farejar recursos. É possível colocar atalhos para estas ordens no D-Pad ou no botão do stick esquerdo, o que pode poupar imenso tempo e evita termos de navegar menus durante a acção.
Apesar de ser o Pikmin mais acessível em termos de controlos, também é o mais complexo, havendo uma grande variedade de acções e mecânicas possíveis. Provavelmente por isso, o jogo alonga-se um bocado a explicar tudo, pelo que o início é um bocado aborrecido.

A variedade no ritmo de jogo que os diferentes tipos de zonas apresentam garante que não se instale o aborrecimento e a curva de dificuldade e introdução regular de novidades e desafios faz com que seja difícil largar o jogo. Quem quiser algo mais difícil onde é obrigatório ser eficiente vai querer continuar o jogo depois de ver os créditos a primeira vez e chegar aos 100%, porque há muito conteúdo post-game de qualidade. Isto demorou-me cerca de 50 horas, mas é um valor que pode variar muito conforme a eficiência do jogador. Fãs da série ficarão contentes em saber que há uma Piklopedia, uma espécie de enciclopédia viva de todas as criaturas deste mundo, onde podemos não só ler as suas descrições vindas de diferentes personagens, como interagir e lutar com elas. Os imensos tesouros que encontramos também têm a sua secção, para quem quiser ver de perto relíquias como cartuchos de Game Boy Advance ou patos de borracha e ler as descrições hilariantes sobre o que os membros da nossa equipa acham que essas coisas são. Confesso que ainda passei algum tempo a ver de perto os modelos e a ler sobre a melhor maneira de cozinhar um Bulborb – perdão, um Bulbolho.

Infelizmente não há um modo co-op como o de Pikmin 3, em vez de uma pessoa controlar a personagem e a outra o Otchin, o segundo jogador apenas pode apontar e atirar pedras para ajudar, à semelhança do visto em Super Mario Galaxy. É uma pena, porque o jogo parece feito para co-op. Fora do modo de história já podemos jogar com outra pessoa (localmente) em batalhas dandori, tanto em equipa, como um contra ou outro.

O jogo é deslumbrante, vale a pena deixar a eficiência de lado de vez em quando e parar para ver com atenção os castelos de areia, o reflexo do sol na lama, a maneira como a água se movimenta com os peixes e as pétalas de cerejeira a cair. Até podem ir buscar uma chávena de chá e relaxar um bocado. Pode ser que vejam os Pikmin a fazer alongamentos connosco ou a brincar; agora que podemos mover a câmera do jogo para mesmo perto, podemos ver momentos como estes de perto e ter uma melhor noção do quão pequenos somos nestes jardins gigantes. Mesmo a curtas distâncias, nota-se o enorme upgrade face ao Pikmin 3 nos modelos, texturas e iluminação, que ajudam a criar materiais com um aspecto muito realista. Realismo pode parecer um objectivo pouco adequado a um jogo onde temos um exército de cenouras sencientes, mas o choque entre as criaturas de fantasia e o mundo realista sempre foi uma enorme parte da estética de Pikmin. Isso nunca foi tão importante como agora que se vêem ainda mais vestígios de humanos no mundo. O contraste dos cenários idílicos e música relaxante com as criaturas adoráveis a ser comidas às dezenas ou a transportar cadáveres é difícil de ignorar
.
A Eighting, que desenvolveu o jogo juntamente com a Nintendo EPD, usou o Unreal Engine 4, em vez de um motor interno da Nintendo. Apenas um outro jogo da Nintendo fez isto (Yoshi’s Crafted World, desenvolvido pela Good-Feel), mas é difícil discutir com os resultados, Pikmin 4 é dos jogos mais impressionantes graficamente na Switch, apesar das limitações da consola. A resolução dinâmica aponta para os 900p e 720p no modo portátil, um salto face ao jogo anterior, ajudado pela presença de anti aliasing (algo que raramente se vê em jogos da Nintendo) que limpa bastante a imagem, mesmo que ainda haja algumas falhas. O framerate está praticamente trancado nos 30 fps, com descidas ligeiras muito esporadicamente.

Não posso dizer que consiga cantarolar nenhuma música do jogo de cabeça, mas a banda-sonora faz um excelente trabalho a criar o tom de calma e tranquilidade que por vezes é interrompido pelo caos. Os grandes inimigos têm os seus próprios temas, apropriadamente bombásticos, mas ao aproximarmo-nos de outras criaturas entram instrumentos diferentes na música, variando consoante o tipo de inimigo. Por exemplo, ao aproximarmo-nos de uma aranha eléctrica, podemos ouvir um tesla coil. Fora de situações de combate, a música dá-nos espaço para ouvirmos também os muitos sons que permeiam o ambiente, como a água do riacho a correr, o barulho das asas de uma borboleta ou – e este é o melhor de todos – o som de dezenas ou centenas de pézinhos a passar numa ponte de barro. Pelo contrário, ter de ouvir o mesmo grito dos Pikmin de cada vez que atiramos um, torna-se bastante irritante passado umas horas.

Pikmin 4 é um jogo incrível, uma aventura confortável e stressante, estratégica e caótica. Esta série nunca foi tão acessível (ainda mais agora, com este jogo traduzido em Português do Brasil), teve tanto conteúdo, tanta variedade, ou levou as suas ideias tão longe. É a prova, mais uma vez, de que Pikmin merece estar no panteão da Nintendo.

Nota editorial: Cópia fornecida pela editora para efeitos de análise.

Veredito

Nota Final - 9

9

Pikmin 4 é o ponto alto da série, fazendo quase tudo o que os seus antecessores fizeram, mais e melhor.

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